ALFACE – Quem nasce para apito não chega à corneta

Da série de contos ALFACE

Uma das características que marcava sobremaneira a personalidade irreverente do Alface era a constante utilização de jargões e frases de efeito que ele utilizava nas mais variadas circunstâncias , sobretudo quando interagia com os camaradas que integravam a confraria , mas também quando se referia a outras pessoas e até mesmo aos transeuntes e anônimos que passavam pelo cotidiano da esquina dos contos, ou como ele mesmo dizia : - “Habitantes bípedes que comandam este grande zoológico” .

Phósforo que também ostentava suas fortes doses de irreverência e que tornara-se bastante conhecido como um dos mais tranqüilos da turma , sempre andando “devagar”, vez por outra emitia opiniões oblíquas e desconexas e com um conteúdo, digamos , bastante fútil , até que um dia após dar um parecer verticalmente absurdo sobre uma partida de futebol, provocou uma pérola do Alface, que disparou: - “Te fecha Phósforo, que tua opinião é mais inútil do que cinzeiro em painel de motocicleta” .

Claro que além das boas gargalhadas e da cara nada satisfeita de Phósforo, o que sobrou do episódio foi a lição de que nada pode ser pior do que emitir uma opinião furada , sem contar – é óbvio – que ninguém ousou discutir a imprestabilidade de um cinzeiro no painel de uma moto .

Beto era um dos membros da turma que sempre estava desconfiado ou colocando dúvidas nos projetos , até que uma certa tarde Alface disparou : - “Tche Beto – para de colocar chifre em cabeça de cavalo” e arrematou seu discurso dizendo-lhe : - “Olha se quer saber mesmo uma coisa , eu te digo que tu estás mais por fora do que aro de ferro em barril de vinho”.

Alface colecionava isqueiros antigos , todos alimentados à gasolina por uma questão de economia , mas que na verdade deveriam ser abastecidos à base da “fluído” que era um combustível líquido especial vendido nas tabacarias . O fato é que ele se mostrava bastante zeloso com esses isqueiros e em uma única oportunidade, Pepe que era um dos mais irresponsáveis membros da confraria lhe pediu “emprestado” um de seus isqueiros, ao que Alface respondeu com a seguinte pérola: - “ É o seguinte Pepe: cada garçom com seu abridor” .

O Zeca era um dos mais boas praças da esquina, mas detinha uma mania de oferecer tudo o que era dos outros , desde um cigarro até um pedaço do lanche ou um gole de refrigerante – oferece pra ele , dizia – referindo-se muitas vezes a um miserável qualquer, até que um dia Alface soltou a frase : - “Zeca , deixa de fazer reverência com chapéu alheio”.

Mas o jargão que ficou para a história se deu numa das raras freqüências do Alface à sala de aulas, numa daquelas presenças apenas física, porque o espírito estava longe da cátedra, para desespero dos professores , diga-se de passagem. Foi durante uma dessas advertências e sermões, quando uma professora muito boa gente se dirigiu a ele pedindo silêncio e mais atenção à aula , que a boa mulher encerrou sua locução interrogando-o: - “ Veja menino, você tem tudo para estudar e ser alguém na vida, um engenheiro, um doutor , quem sabe até um professor – já pensou nisso ? .

A resposta de Alface provocou uma cor vermelha na face da senhora professora, numa mistura de sentimentos onde cabiam no mesmo recipiente vivo a fúria e o desconcerto, ouvindo a seguinte resposta do irreverente Alface : - “ Não professora ! - agradeço sinceramente a sua preocupação , mas quem nasce para o apito não chegará nunca à corneta”.