Olhos do Medo - Trabalho Infantil

Ainda recordo aquele dia, eu tinha uns nove a dez anos, quando aquele homem aproximou-se de mim e perguntou-me onde estava meu pai e minha mãe. Respondi que não tinha nem pai nem mãe; de certo eles tinham-me abandonado quando eu era ainda bem pequenino. E continuou os questionamentos sobre a minha vida:

- Você mora onde?

- Não tenho onde morar. Moro aqui mesmo na rua. Hoje estou aqui amanhã não sei onde; não sei nem se estarei vivo. – foi o que falei como resposta.

Eu estava com muita fome; as minhas feições não me deixavam esconder isso. De imediato, ele me perguntou se eu queria comer algo; respondi que sim. Fomos até um lugarzinho, que antes já tinham me mandado embora muitas, quando tentava pedir um prato de comida. Perguntou o que eu queria comer; falei que poderia ser qualquer coisa. Ele, então, solicitou que eu comesse um cachorro quente com refrigerante. Diferente das vezes que eu e meus colegas pediam, a garçonete trouxe rapidamente. Eu comi com tremenda rapidez. Perguntou se eu queria mais. Balancei a cabeça negativamente.

- Peça mais algo pra você comer. – Aquele homem insistia. Eu com muito receio e sem entender nada, não queria abusar da sorte, descartava as cortesias do senhor.

Ficamos horas conversando, ou melhor, eu respondendo às perguntas daquele senhor. Recordo apenas de eu ter perguntado o nome dele, foi quando me falou que chamava Torres. Conversa vai, conversa vem, o Senhor Torres perguntou se eu não queria ter uma família; sem pensar duas vezes, respondi que sim. Ele pegou em minha mão e me conduziu até seu carro. Em toda a viagem fui ouvindo suas promessas. Andamos mais ou menos umas quatro horas de carro até que chegamos em lugar muito bonito por sinal; era um sítio afastado da cidade. Percebi que algumas crianças brincavam por trás da casa; fui convidado pelo senhor a entrar na casa. Entrei. A casa era enorme, linda, arejada. Imaginei está no céu. Uma mulher mal encarada me pegou pelo braço e me levou até o quarto, entrei no banheiro, tomei um bom banho, vesti uma roupa limpinha que já estava sobre a cama; tudo nas minhas medidas. Era mesmo um céu. Fiquei lembrando dos meus colegas que ainda mendigavam pelas ruas daquela grande cidade. Fui levado até uma mesa enorme também; serviram-me uma sopa deliciosa, aproveitei para comer tudo que eu não comia há bastante tempo. Fui dormir. Foi a noite mais perfeita até então.

No dia seguinte, acordaram-me bem cedo e me levaram para onde estavam as ouras crianças. Achei estranho que todas elas tinham apenas um olho. Fiquei assustado, imaginando o que teria acontecido com elas. A mulher chegou até mim e disse:

- Sua vez agora.

Apanhou-me pelo braço e me levou até um galpão parecido com um armazém abandonado. Ainda recordo quando ela colocou algo forte no meu nariz. Daí então, não lembro mais de nada. Só acordei no outro dia, quando já estava sem olho. Foi aí que descobri que aquele senhor, que não o vi mais, mantinha uma quadrilha que explorava criança. Eu e os outros por muito tempo fomos obrigados a pedir esmolas nas ruas, justificando que éramos cegos. Tudo para enriquecer uma quadrilha de exploradores. Depois de muito tempo, consegui fugir, estudei, me formei e hoje mantenho uma instituição que abriga menores abandonados. Quem sou eu? Eu sou qualquer criança e posso ser você ou qualquer pessoa que queira dar um cartão vermelho ao trabalho infantil.