Alucinação Cotidiana

Levantar da cama pela manhã para ir trabalhar – pelo menos para mim – é uma guerra.

Não consigo compreender o tal “evangelho do trabalho”. De você ser arrancado de seu lar para dar seu tempo e seu suor para um filho da puta qualquer levar a fama e o dinheiro. Vejo idiotas onde quer que eu vá. Para quem porventura não está entendendo eu explico com facilidade. Tudo é fútil no mundo dito moderno. Tudo que você imaginar é movido a dinheiro. Nem preciso entrar em detalhes. Tente pagar seu aluguel, seu cigarro, as calcinhas da sua patroa, a passagem daquele ônibus vil que te leva todos os dias às beira da morte, a gasolina da sua lata velha, o seu creme de barbear, o barbeiro que faz aquele corte idiota na sua cabeça, sua fisioterapeuta gostosa que arruma sua coluna lesionada por horas sentado feito um dois de paus diante do seu computador e todos os pequenos “luxos” que te rodeiam , com a sua alma. Acreditem amigos, eu já tentei e me dei mal. Por um motivo bem simples: no sistema capitalista em que vivemos todos somos ESCRAVOS. Entendeu? Ou quer que eu desenhe? Não passamos de escravos de nossas ilusões e vontades humanas ridículas e limitadas para parafrasear o compositor. Tudo é um bosta. Um deputado? Uma bosta. Um desembargador? Uma bosta. Um ministro do tribunal superior? Uma bosta. Um médico endinheirado ou um advogado picareta? Uma bosta. Até mesmo o pedreiro que fez aquela burrada no seu telhado é uma bosta. E pelo motivo mais simples do mundo. Porque deixaram de serem livres e de ter uma mente natural. Apenas se agarraram às cegas em um modelo preconcebido e foram em frente. Levando sua pobre alma todos os dias ao mais terrível que existe. O real. O dia-a-dia. O cotidiano e a brutal rotina. Todos perderam a referência. Alguns mais que outros, mas todos estão prestes a entrar num surto psicótico. Rotina. Essa é a dita nova ordem mundial. Rotina, tédio e Prozac. Aí esse serzinho humano deplorável fica “feliz”.

Mas parece que fico me estendendo demais para comentar um assunto simples. Escrevo e escrevo e não chego onde realmente quero. Vamos lá, chega de delongas.

Acordei mal humorado como todos os dias. Tenho vinte e seis anos de carteira assinada e ainda não sei se um dia poderei me aposentar. Curtir meus últimos momentos sem me preocupar com nada e com ninguém. Creio que isso ainda é uma das parcas ilusões que acalento. Então, levantei da cama praguejando e morrendo de vontade de urinar. Seis e meia da manhã! Veja se isso é horário? Mas como dizem que eu nunca tive nenhum tipo de “treinamento específico e adequado” para porra nenhuma essa é minha sina. Arrancado sem dó nem piedade por um despertador maluco que berra pontualmente no mesmo horário há anos. Anos. Saco! Perdi toda minha juventude na frenética busca pela merda do dinheiro para minha própria sobrevivência. Não sou um filhinho de papai. Infelizmente. Se fosse há esta hora eu estaria me preocupando com carrões velozes e com cocaína. Não tenho tempo para essas bobagens. Mas gostaria de ter. Quem não sonha em acertar sozinho um prêmio milionário na loteria? Como todo imbecil eu também sonho só que jogo 12 reais no lixo toda semana e até agora nada. Quando a barra começou a ficar pesada na minha casa nos meus quatorze anos piquei a mula. Desde então não tenho e nem quero contato com eles. Nunca mais vi meus velhos. Espero que estejam bem. E os quero bem. Bem longe de mim. No momento que comecei a ter minhas próprias idéias e opiniões eles quiserem me transformar em mais um medíocre? Pulei fora. Não tenho nenhum arrependimento. Eles que vivam a vida deles da melhor forma possível. E eu que me vire para tentar viver a minha. Justo. Acho justo e não me importo com o que você pensa.

Fui tomar uma ducha para espantar o cheiro e a cara de cama em que eu sempre desperto. A melhor hora do dia para mim é a hora do banho. Depois, só piora. Fiz minhas necessidades. Vesti-me. Peguei minha carteira, meus cigarros e meu isqueiro e coloquei nos bolsos dos jeans como todo dia. Apertei um baseado. Vocês vão me desculpar, mas não consigo trabalhar de cara limpa. Conseguir eu consigo só que levo o dobro do tempo para me desvencilhar das tarefas. Parece que a erva me concentra. Funciona para mim. Coloquei meus fones de ouvido e meus óculos escuros para não ter que olhar para as pessoas ao meu redor. Já me basta vê-las por toda parte. Ganhei a rua e novamente para o caminho da roça. Não preciso especificar aqui o que faço. Só sei que é chato e inútil. Apenas outra ilusão de ótica banal e brutal. Trabalho burocrático. Essa é a única definição. Acendi meu baurete e liguei o som. Bom! A maquininha parou em “Rebel Rebel”. Fiquei animado com a música. A música acalma as feras não é o que dizem? Fui andando no meu passo até o ponto do ônibus. Seis quarteirões do meu apartamento de um quarto de fundos. Não é fácil para mim. Não sou especial. Nada disso. Se vocês estão pensando que eu sou um babaca metido a esperto se enganaram redondamente. Talvez o idiota seja eu. Analisando o que se passa ao meu redor e não concordando com essa devassidão. Os carros passavam aos magotes cantando os pneus e poluindo o ar que nós respiramos com seus gases tóxicos. Pára-choque conta pára-choque. Ninguém pode fazer uma gentileza ou ceder a vez. Se você quiser ser altruísta e tentar fazer isso vai dançar. Pode provocar um acidente grave, uma batida que cause prejuízo, um engarrafamento de enormes proporções ou mesmo polícia e um assassinato. As pessoas estão cada dia mais apressadas e apegadas aos seus parcos bens materiais. Isso é o processo natural de involução do homem. Não tem mais volta. Eu também sou individualista. Porém muito observador. Se não o fosse não escreveria esporadicamente todos esses absurdos que escrevo. Fui queimando meu fuminho e deixando a fumaça fazer minha cabeça.

Lá vão as madames com seus totós. Tenho vontade de fazer como o Mao e dizimar todos eles. Se você querem que eu enumere um símbolo da burguesia decadente esse seria o primeiro. Madames e cachorrinhos das mesmas. Essas mulheres emporcalham a cidade e são transmissoras de doenças e nem sequer QUEREM pensar sobre isso. Ou melhor, não têm capacidade intelectual e tutano para isso. Só querem saber de desfilar com aqueles bichos bisonhos produtos de manipulação genética. Cada vez menores e mais chatos! Porra, é de foder! E isso é só o começo! De onde estas tiram seu sustento e suas roupas caras e seus dogs mais cheirosos que minhas axilas vaporizadas de desodorante barato? Pergunta idiota a minha. De um bestalhão que resolveu casar com uma neurótica dessas e que agora tem que ralar dez horas por dia para pagar os caprichos dela. Legal ter escolha, né? Só que o cidadão médio sempre faz as escolhas erradas. Sempre. Isso eu já vi demais para comprovar.

Continuando minha jornada na selva de pedra lá fui para a parada da condução. Cheia de gente como sempre. Gente que via todo dia e que não tinham dignidade para um prosaico “boa dia”. Não sei como são os outros lugares. Mas aqui em Curitiba você não cumprimenta nem seu vizinho de porta de vinte anos. Aqui funciona assim. Eu até que me adapto com regras. Talvez com algumas. Talvez com as que me convém.Agora rolava um funk da pesada no meu ouvido. O barulho do tráfego atrapalhava bastante e eu tentava me concentrar na melodia. Os coletivos guinchando com os freios fudidos, os apressadinhos de plantão fazendo miséria nas ruas, os motoqueiros com seus escapamentos abertos contribuindo para a poluição sonora diária. Tem gente que acha isso natural. Eu não. Serei um louco por isso? Devo ser. As pessoas na fila apenas empinavam seus narizes e faziam suas caras obvias. Um bando de comedores de pastel de feira. Não passavam disso. O ônibus chegou dez minutos atrasado como sempre. Duas pratas e vinte a tarifa e a merda ainda está fora do horário? Pare e pense. Para onde vão os impostos que você paga nesta terra? Para o cu do conde. Para onde mais? E a população aplaude essa sacanagem de pé e pede bis. O que fazer? Deixo o suicídio para os idealistas e para os covardes. O funk cada vez com mais suingue quando dei o dinheiro para o cobrador e agradeci o troco. Puta que o pariu, no dia que você vier fazer turismo aqui na cidade e entrar na condução e dizer “obrigado” para o motorista ou cobrador, prepare-se! Você vai olhar em volta e perceber olhos de ódio te fuzilando e com gana de pular no seu pescoço ou com a expressão que você é um pedofilo que acabou de violar um garotinho de três anos. Venha para essas plagas e confirme minha afirmação in loco. Descolei um banco individual. Segunda melhor parte do dia. Tive sorte. Pura sorte. E sorte não dura. Abri bem as janelas para o ar circular dentro daquela lata de sardinha. Outra vez fui olhado com ódio denso daqueles que você pode cortar com um machado. Tinham algumas mulheres gostosas naquele ônibus. Boas coxas, boas bundas, pezinhos maravilhosos recheando sandálias rasteiras. Porém era só olhar seus rostos lindos e vazios dava vontade de virar o rosto e olhar as árvores das ruas. Foi o que fiz. Quinze minutos dentro daquele monte de ferro retorcido para chegar à velha máquina de moer carne. E todos nós somos carne morta dentro dessa maldita engrenagem que um filho da puta qualquer inventou para manter a “paz, a lei e a ordem”. Pois sim...

A parada era a três quadras do suntuoso prédio onde eu trabalhava. Mais madames emporcalhando as ruas e praça com a merda de seus cãezinhos. Mais gente escrota tomando seu café da manhã nas biroscas e falando alto e de boca cheia de pão dormido e mortadela rançosa e empurrando café com leite frio e fraco para rebater. Mais apressados caminhando cada dia mais rapidamente para a morte. Mais mendigos e guardadores hostis exigindo uma esmola, um cigarro, um favor. Mas alienados preocupados com prazos ilusórios que poderiam vencer, mais advogados espreitando e perseguindo suas próximas vítimas, mais estudantes cabulando aula, mais do mesmo.

Isso é o começo do meu dia normal de trabalho.

Como é o seu?

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 31/08/2010
Código do texto: T2470274
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