A MORTE DA BONECA

A morte da boneca

Eu adorava ver a meninada reunida brincando de casinha na garagem da vizinha. Eram cinco ou seis meninas que juntavam suas “filhas” e seus apetrechos de cozinha e ali viviam suas alegrias, tristezas, idas ao médico, trabalhos da escola, compras no shopping.

Foi assim durante muito tempo, até que um dia ouvi a Julinha chorando desesperada , gritava para sua outra irmãzinha: - A Milena morreu, ai, está doendo muito, a Milena morreu! Coitada ela não tinha culpa de estar ali sentada!

Só escutava o choro da Julinha, sentida, ela berrava cada vez mais alto, na esperança de chamar atenção, ou querendo um pouco de conforto para seu pobre coração despedaçado com a morte de sua filhinha, a Milena.

Gostaria de tê-la abraçado e trazido ela comigo para o calor dos meus braços. Ela chorou muito, berrou muito. No dia seguinte pude vê-la abatida num canto. Não queria mais brincar. A morte da Milena tinha roubado um pouco de sua infância. Na incompreensão de seus quatro anos, não consigo imaginar desespero maior ao vivenciar as cenas que se desenrolaram dentro daquela garagem.

Lembro-me de ter ouvido a voz poderosa e autoritária do pai dizendo em bom som:

- Enquanto não souber guardar os brinquedos não vai ganhar mais nada! E ouvi o som de brinquedos jogados contra a parede, quando os berros desesperados começaram. Partia o coração de quem ouvisse.

Enquanto observava a Julinha murchinha no canto, acompanhei seu olhar tristonho, para uma pilha de sacos plásticos amontoados e amarrados. Pude ver pela transparência os restos e pedaços dos brinquedos destruídos pelo pai em um acesso de fúria na tarde anterior. Ele tinha chegado cansado do trabalho e tropeçou na Milena que estava sentada na cadeirinha esperando seu almoço. Foi a gota d’agua.

Isto aconteceu em dezembro do ano passado, de lá para cá, outras mudanças radicais aconteceram naquele lar. A empregada foi despedida, e substituída por uma avó materna meio demente. A Julinha após a morte da Milena não se reúne mais com suas amiguinhas para brincar de casinha. Ela foge de casa assim que acorda, se enfia em qualquer casa onde tiver uma criança e lá fica até ser rebocada pelos cabelos lá pelas tantas da noite. Quando está chovendo é sempre a mesma desgraça: Muitos gritos e muitas pancadas. Às vezes a encontro carente no meio da rua, cabelos despenteados, toda desarrumada, parece que ser devidamente cuidada, tenho medo que ela caia em uma emboscada, pois crianças assim tão cedo abandonadas, com suas carências são as primeiras vítimas dos pedófilos que se escondem atrás de uma oferta de doces e balas, carinhos e afagos para crianças mal orientadas.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 07/09/2010
Código do texto: T2483359
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