MARCA REGISTRADA

Um homem negro, alto e robusto saia de sua modesta casa. Mais um dia de trabalho. Cantava uma melodia sorrindo e fumando. A manhã se iniciava ainda fresquinha. A rua deserta. Só Raimundo respirando o frescor do dia. A fumaça do cigarro ondulava-se no ar, parecia inocente o seu bailar.

Era sua a canção! Cantava e repetia, para não esquecer. Ele não aprendera escrever.

A canção falava de amor e solidão. Estava planejando lançar um CD, uma coletânea com músicas dos componentes do grupo. Apesar de todas as dificuldades, das faltas de oportunidades de um grupo que está no anonimato, estava disposto a enfrentar o mar bravio da concorrência desleal do mercado musical.

Raimundo acordou naquela madrugada sentindo a vibração de uma inspiração. As palavras brotavam do seu ser como se tivesse vida própria, pela forma como fluíam.

Raimundo trabalhava em uma fábrica de refrigerantes, trabalho pesado, distribuindo caixas de garrafões pelos bares da cidade. Sempre sorrindo. Lábios grossos, bem delineados. Dentes alinhados que ainda não tinham deixado as marcas de nicotina se fixarem neles como feia tatuagem.

Naquele dia, após o almoço, Raimundo sentou-se em uma cadeira na recepção apreensivo. Olha quem está aqui! Quanto tempo rapaz! --- disse Sônia---

Sônia tinha menos de duas décadas de existência. Bem magrinha, trazia o rosto sempre bem maquiado, unhas grandes, bem pintadas. Óculos de grau. Sem eles enxergava muito mal.

Raimundo levantou-se, pegou nas mãos da moça e suplicou:

---Você já sabe por que estou aqui não é mesmo Soninha? Faz aquele favorzinho para o seu amigo.

---Só porque é pra você, você merece!

Agilmente digitou a letra enquanto Raimundo entoava a canção com muito cuidado. Ele sabia que era originalíssima. Sônia também gostou! Tinha bom gosto musical e vivia sintonizada nas rádios local.

Noite estrelada quando Raimundo, orgulhoso, distribuiu as cópias no boteco aonde os amigos ansiosos o esperavam e, ao ter aquela letra sob os olhos, sabiam que estavam com uma jóia preciosa nas mãos. Raimundo começou a entoar a melodia e os amigos foram batucando na mesa e nas palmas das mãos. A dona do boteco, corpulenta, vestia um vestido de tecido estampado e fino que desenhava toda a silhueta do quadril avantajado e seios fartos, saiu do balcão e começou a sambar, rodopiava ao som da música, estava possuída pelo som contagiante que tomava conta do lugar.

Aquela canção percorreu todo o salão alegrando os corações dos presentes. Um homem baixinho com uma barriquinha flácida e acentuada, já tinha pedido a conta, voltou a sentar. Chamou o garçom, pediu outra cerveja e um favorzinho especial.

__ Seu garçom, vê se consegue para mim uma cópia dessa canção.

O garçom levou o papel com a letra para aquele estranho cidadão que o gratificou com uma gorjeta a mais.

Um tempo depois, não sei precisar exatamente esse tempo, mas não demorou muito e, aquela mesma canção foi ouvida por Sônia em uma das rádios mais conceituada da cidade. Sônia saiu do escritório contente e gritou para os colegas de trabalho:

__ Pessoal, o Raimundo está tocando na rádio! Sucesso total!

Todos sorriram contentes e já iam iniciar a comemoração. Raimundo que também estava no pátio tomou um choque, empalideceu! Foi pego de surpresa. Sua canção não era mais sua! Não sabia o que pensar nem o que fazer. Tentou vingança. Foi contido pelos amigos. Ficou sem direção. Não tinha como provar sua autoria, não tinha chão!

A partir daquele dia Raimundo ouvia sua própria música, sentindo a mesma sensação que vinha da canção. Como quem perde um amor. Como quem perde um pouco da alegria.

Um pouco daquela sua alegria genuína que trazia no peito como sua marca registrada também se perdeu em seu olhar, que contemplava o vazio nas manhãs em que saia de casa.

Em uma dessas manhãs, fumava sem remorso e sem graça, quando uma nova esperança começou a despontar, uma nova inspiração foi com ele se encontrar.

Agora ele tinha aprendido a lição, dessa vez não ia deixar escapar de suas mãos a sua mais nova composição que falava de recomeço sem aflição. A canção começava assim: “Vou amanhecer como a aurora...”

CONÇA

Conça
Enviado por Conça em 14/09/2010
Código do texto: T2498307
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