California

Aquele grupo musical naquele barzinho na Califórnia foi pra se ficar lembrando. As ruas eram limpas e vazias, as cercas baixas e os gramados bem cuidados. Alguém se importa se Alice roubar uma flor dessa linda casa ? Marcos e Alice sempre imaginaram a Califórnia quente, com surfistas no mar e garotas nas praias, mansões milionárias e o charme de Hollyoood. Tudo o que você vê na TV. Propaganda. Mas a Califórnia não era parecida com aquilo. Sim, havia as lindas casas de madeira com flores, uma gente simpática que te cumprimentava, havia os hispânicos, parecidos com os brasileiros, mas o clima era diferente lá, mais pra frio, e seco. O Oceano Pacífico parecia escuro, e sua água sempre fria. E deram falta do jeitinho brasileiro. Desceram em Los Angeles, uma São Paulo, com menos gente nas ruas, carros enormes e vias expressas que não se via a outra margem. Até procuraram nos rostos anônimos os artistas de Hollywood, mas nada. No avião, aeromoças falando espanhol e vôo sem turbulência. Meio cansativo, quase um dia de viagem, mas seus corações batiam rápidos, quase não sentiram. Na ida, à noite, no meio do vôo surgiu uma incontrolável vontade de Marcos ir ao banheiro. Talvez fosse o chiclete que havia comprado uma dúzia e não parava de mascar. Que hora pra ir ao banheiro, resistiu mas foi, ficava no fundo do corredor. achou que fosse só ele, mas na saída, abriu a porta só pra se assustar com a fila que o aguardava ansiosa. Saiu rápido sem olhar pra trás, e foi se esconder na poltrona. Alice nem acordou. Em Los Angeles enormes e lindas mansões, pareciam cenário de filme. No carro até Santa Bárbara, beirando a costa, já se sentiam longe do Brasil. As pessoas, atenciosas, mas meio distantes. Marcos entendia inglês, mas que não falassem muito rápido, tanto que lá na alfândega, Marcos confundiu soup com soap, o segurança questionando quantos soaps, sabonetes, tinha dentro da mala, e Marcos pensava se Alice tinha posto sopa na mala, percebeu que tinha que melhorar o inglês. E lá estava a Califórnia. Pensaram que era de um jeito, era de outro. Sentiram a falta do arroz e feijão, do pão francês, da bengala, da pizza com quatro queijos, mas de repente, já aqui de volta, Alice vira pro Marcos e solta um “Vamos morar em Santa Bárbara ?” É, a Califórnia mesmo é dentro da gente, mas como as vezes demora pra chegar lá, é tanta bobagem, tanta correria, tem as tristezas, mas também tem o amor, e tem a amizade, o sexo , e de repente você tem uma grande alegria. Tudo isso te trás a Califórnia que você tem lá dentro. Mas quando você tenta entrar de novo, as vezes baixa uma noite que não te deixa, você tem que esperar o dia chegar. Vez em quando Marcos se surpreende de pé em frente a cortina, vendo por trás dela a Califórnia. E Alice fica lá, olhando a TV, que isso é aquilo, que isso é aquilo outro. Alice não passou muito bem lá, se agastou com a comida doce e o cigarro caro, no entanto diz que quer voltar, vai entender as mulheres, seus buchichos, vai entender seus quereres e desquereres, mas quem é que pode viver sem elas. Acharam a Califórnia linda, o que desgostou foi a água da praia muito muito fria, e já era verão, lá . A noite de Santa Bárbara é linda, mas o mar é escuro como breu. Você vê a lua, mas ao longe tem as plataformas de petróleo quebrando o encanto. E hoje, aqui, Alice olha pra TV e diz; vamos voltar pra Califórnia ? Marcos olha pra ela espantado, que Califórnia é essa ? Ele tinha a dele, Alice acha que tem a dela, os Californianos com certeza têm a deles, tudo depende do ponto de olhar. Aquelas ruazinhas com aquelas casinhas de boneca em Santa Bárbara, linda Santa Bárbara. Alice quer voltar, Marcos nem tanto, mas tem vezes que vem no peito uma vontade de ir, e ele lembra que imaginava que seriam barrados na alfândega, mas foi só a confusão de confundir sopa com sabonete em inglês. Marcos não sabe se Alice quer ir só pra passear, mas teme deixar a cervejinha de sábado e o futebol de domingo. Não quer deixar de ser Brasileiro, bom um dia ele vai deixar até de ser gente, todo mundo vai. Ah, aquele mar azul escuro, bem que tentaram entrar na água, mas era um gelo só, iam virar sorvete. Os golfinhos esses sim, pareciam se esbaldar na água. O que mais falaram lá foi “Nice to meet you...” Yes, nice to meet you, Califórnia. Marcos, e se a gente fosse morar lá ? Não sei não, a Califórnia é o Rio, é o Nordeste, é o Sul, é aonde você imaginar, mas é tudo fora de você. É mais fácil ir pro Céu que pro centro da Terra, é mais fácil olhar pros outros que pra dentro de você, puseram isso na gente quando a gente nasceu. É duro de escapar. A gente pode ser comunista, artista, budista, pode ser amante, hipócrita, passar fome ou ser prodigo, mas isso de não querer olhar pro fundo fica na gente até o fim. Tinha umas loiras lá em Santa Bárbara, e Marcos pensava, Alice nem me liga mais mesmo, ela sai pelas ruas na frente, eu que corra para alcançá-la. Eê Alice, para com isso. A canção dizia...Alice, você bem que me disse...não, não, era Doralice, mas rima de qualquer jeito. Hoje os dois vêem TV aqui, pensando na Califórnia. A Califórnia é dentro da gente, cara, é lá no fundo mesmo, você tem que ralar pra chegar lá. E é tão pequeno nosso tempo pelo mundo, e tanta coisa pra fazer e tanto lugar pra se ver. Alice já deu muito trabalho pro Marcos, hoje parece mais calma, mas por dentro é um vulcão. Alice fica se lembrando da pizza de lá, dura igual a biscoito. Marcos gostou, diz que parece a pizza que a mãe fazia. Alguns dias depois Marcos soube que Alice chorou na viagem, e ele só imagina que fosse a falta do cigarro. Hoje os dois treinam o inglês pensando em voltar. Já não são jovens, quer dizer, jovens de velinha. O que eles querem é afinal o que todo mundo quer, e desse osso eu rôo até o caroço, a felicidade, a felicidade, a felicidade.

Roberto Nesil
Enviado por Roberto Nesil em 30/09/2010
Reeditado em 06/03/2013
Código do texto: T2529635
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