Borboleta Pequenina

Maria das Dores estava eufórica. Todo ano a igreja local promovia uma festa na véspera do Natal, e um dos eventos tradicionais era a dança das pastorinhas. Dessa vez ela fora uma das escolhidas para participar. As beatas já lhe haviam preparado sua fantasia de borboleta, e ela havia treinado a semana inteira. Faltavam poucas horas para a apresentação. Iriam entrar ao som da música, e cantar a música tradicional enquanto dançavam. Primeiro o grupo de meninos entravam num cenário de jardim e cantavam:

Borboleta pequenina,

Saia fora do rosal.

Venha ver como é tão linda

Esta noite de natal.

E aí, atendendo ao chamado, ela e suas colegas entrariam dançando, agitando as asinhas e rodando as saias de filó colorido para lá e para cá, enquanto cantavam:

Eu sou uma borboleta,

Sou pequena e sou faceira,

Ando pelo meio das flores

Procurando quem me queira

Então encontrariam seus pares e dançavam felizes. Maria das Dores sonhava com este dia, e faltava pouco. Hora de se lavar para ir à igreja colocar sua roupa de borboleta. Entrou em casa. O pai bêbado lhe pediu água. Achou que ela estivesse demorando muito e arremessou sua alpargata contra ela para que se apressasse. Errou a menina, mas acertou a moringa.

- Veja só o que você fez! Desgraçada! – e surrou-lhe impiedosamente com um cinto.

Vendo o escarcéu, a mãe veio ver o que acontecia.

- Para de bater na menina! Desgraçado!

- Bato quanto quiser! A filha é minha, tenho todo o direito!

A mãe, que também estava embriagada, se revoltou. Tomou-lhe a cinta.

- Ah, é? Se você tem direito, eu também tenho! – e nova sessão de cintadas na menina.

O pai descontrolou-se de vez. Socos, pontapés, tanto na menina quanto na mãe. Depois de algum tempo, ambos cansados e vencidos pela cachaça foram dormir.

Maria das Dores faltou à dança. Foi encontrada no dia seguinte pelos moleques vadios da cidade, escondida em um cantinho num beco. Estava toda machucada. Os moleques, normalmente propensos a fazer arte e pregar peças, nesse dia tiveram expediente: foram correndo chamar o padre, que veio rapidamente. Recolheu-a à Igreja, falou com o juiz, e por fim, depois dela passar alguns dias ali sob os cuidados das beatas, levou-a embora para Recife. Nunca mais se ouviu falar de Maria das Dores naquela cidade.

Todo natal as beatas, ao escolherem as meninas para a dança, lembram-se com uma pontinha de tristeza de Maria das Dores.

- Tomara Deus que ela tenha achado alguém que a queira…