AS NOSSAS PESCARIAS

Vou contar aqui as pescarias de minha infância.

Meu pai era muito severo conosco e nós o temíamos muito, mas eu conseguia muitas vezes amolecê-lo, seduzi-lo.

Lembro-me que ele, algumas vezes, cedia aos meus apelos e permitia que eu o acompanhasse quando saía para pescar.

Fui tomando gosto pela coisa e ele me levava mais vezes. Não sei se por apreciar minha companhia, ou por pena, já que eu insistia tanto.

Mas o fato era que eu conseguia ser uma boa companheira de pesca. Aprendi direitinho a colocar a isca no anzol; a ficar caladinha; a retirar o peixe; a me safar dos enroscos; a trocar toda a linhada quando acontecia de perdê-la; e todas essas coisas que um pescador deve saber fazer.

Costumávamos pescar num rio tão lindo! Eu amava aqueles recantos onde pescávamos e amava aquelas nossas longas horas de intimidade. Tivemos tantas aventuras, só os dois.

As “princesinhas” crescem, e eu, aos onze anos já estava tão espigada! Ele me olhava então, quando eu lhe pedia para o acompanhar ao rio e dizia que lá não era lugar para mocinhas. Mas depois voltava atrás e pedia à minha mãe que desse um jeito de esconder os meus longos cabelos num grande boné (ouvi muitas vezes ele dizendo que, apesar de crescida, eu ainda podia passar por um moleque).

Tão felizes íamos os dois, eu vestida com velhas jardineiras masculinas e ele com sua tralha toda.

Sentada no barranco enquanto pescava, eu ficava pensando no quanto era sem sentido “aquilo”. Tirar do rio os peixes, de seu habitat. Se nem de comê-los eu gostava!

Mas era uma terapia, e confesso que ainda gosto tanto de pescar!

Acho uma covardia matar os pobrezinhos, mas aprendi a amar esse tipo de lazer.

Certa vez, depois de sua morte, eu fui pescar e no lago onde pescava pareceu-me vê-lo ao meu lado.

Lembrei-me do dia em que peguei uma bela “piava” e fiquei maluca com aquele peixe lutando pela vida. Ele me dizendo que a deixasse brigar mais, que não a retirasse ainda.

E eu desajeitadamente a retirei da água, jogando-a sobre sua cabeça.

Apesar de eu ter sido tão mal pescadora naquele dia e apesar daquela minha atitude tê-lo desgostado acabamos rindo, porque eu sabia ser deliciosamente sedutora com ele. (Muitas vezes o seu olhar me desaprovava e eu sabia que merecia mesmo umas palmadas).

Uma vez, depois de adulta, também pesquei uma piava ao seu lado e a cena foi super parecida. Desta vez outras pessoas nos acompanhavam, mas o peixe foi parar em cima de sua cabeça.

Seu olhar me desaprovou e a bronca veio. Depois ele se afastou de mim para dar-me a entender que eu não tinha mesmo conserto.

Lembro-me dos lanches que comíamos acocorados no barranco, de olho nas “varas armadas”. De quando ele me pedia que ficasse bem quietinha para ouvir o canto de um sabiá na mata (ele adorava sabiás!). E lembro-me das trilhas por onde passávamos.

Eu ia toda empertigada, querendo mostrar-lhe que era a melhor companhia que poderia encontrar, mas quando ele me via em dificuldades erguia-me ao colo, com o braço livre (um sempre carregava as tralhas).

Nessas horas eu sentia o quanto ele me amava.

Outras vezes ele levava a família toda nas pescarias. Era uma festa, uma bagunça! Não podíamos chamar aquilo de pescaria, era mais um piquenique.

Ficaram estas recordações tão doces da minha infância, como ficaram tantas outras.

SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 03/10/2006
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T255246
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