OS PARTOS

Ela comeu a última pêra, suculenta, sabor prazeroso de vida, líquido descendo pela maravilhosa máquina humana. O ar parecia não suprir todas as partes de seu organismo, respiração ofegante até conseguir um espaço na maternidade.

Difícil momento, muita insegurança e dor. A preparação para a chegada da vida na maioria das vezes é animalesca e selvagem, não apenas pelo rompimento de tecidos, pois a mulher vira-se do avesso, porém a dor maior acontece também pela falta de sensibilidade de alguns homens de branco que não conhecem a empatia.

A leoa, a gata, a cadela, a vaca, a coelha, as fêmeas em geral e a mulher igualam-se na escala evolutiva nesse momento tão carnal e celestial que é permitir, parir um novo ser.

A jovem Sílvia olhava o teto quase sem forças, os membros inferiores ao alto, abertos, ela dilacerada, suada, pensando no pecado de Eva e nas palavras do Senhor: “Por teres descumprido uma ordem, por teres tentado Adão, irás parir com dor e sofrimento.” Mais uma responsabilidade para o ex-sexo frágil.

Então, a dor transforma-se em felicidade, porque o pequeno ser, frágil, ainda envolto em fezes e sangue observa Sílvia, e as lágrimas de ambas fecundam o momento que se eterniza. Fera e cria unem-se para sempre, o encontro é inesquecível.

O ser animal, logo parte em liberdade em busca de espaço, alimento e novos relacionamentos; o ser humano esquece de cortar o cordão umbilical e a mãe cuida, amamenta, segura da mão, leva, aponta caminhos, prepara caminhos, chora, sorri, realiza-se.

Sílvia lembra do companheiro: amor, paixão, entrega, conseqüência. Planejamento, outro filho. Ventre enorme, redondo, bicudo, chutes para todos os lados. Emoção e renovação. Os pés incham, a coluna parece querer partir-se, a bexiga não agüenta tanta pressão. A fome é de leoa, mas é preciso controlar o apetite, selecionar bons alimentos, sacrificar-se. Foram escolhas.

Força, diz o médico, respiração de “cachorrinho”, é uma contração atrás da outra, novamente a dor abrindo as entranhas, o suor lavando até a alma, gemidos de fera no mato.

O bebê tranca na bacia, muda de posição, perigo à vista! O que fazer? Uma maca, correria, corredores, elevador, sala de parto, anestesia.

Sílvia sente-se embriagada, seu corpo inerte da cintura para baixo, mil emoções e lembranças em sua memória. E se fosse necessário abdicar de sua própria vida para que sua cria nascesse? Se até a mãe vaca chora por seu bezerro quando não o encontra mais, o que a mãe-mulher seria capaz de fazer? Mas a força e a vontade de viver a iluminam e o bichinho-homem chega a este planeta, fazendo o maior berreiro e se impondo ao mundo, exigindo o peito e sugando o alimento que o fará mais humano.

Parto também é dor espiritual, é ligação de outros momentos, é aceitar o filho que chega por obscuros caminhos, por outros úteros e de espermatozóides desconhecidos. É ignorar a cor da pele, a genética que encaminha aquele ser em busca de evolução.

Contudo, os encontros deste mundo nos trás caminhos de desencontros, os filhotes humanos, como o das aves, criam asas e voam em busca de outros sóis.

O quente útero de outrora, das Sílvias, Marias, Joanas, Rosanes, Gildas, Rosas, estão secos e murchos. Como em todos os ciclos da vida, entram em processos degenerativos, até sucumbirem, desintegrando-se no grande útero da mãe terra e renascendo em novos encontros, em novas vidas!

Rosa Dias
Enviado por Rosa Dias em 03/10/2006
Código do texto: T255700