O jogadô.

Nasce Júlio, 12.08.94, pouco depois da Copa; pais desmiolados e pré-dispostos a não ter filhos; pirralhinho; idas chatas e sem tempero à casa de sua mãe, avós maternos, pai, além de, ocasionalmente, primos distantes, como todos; criança largada e quieta? Ajuda dos avós paternos!, e ele teve tranqüila e não delicada criação.

Moleque, recorda da praia de Grumari, que muito visitava nos sábados calorentos, dos brinquedos de plástico de 1,99 que ganhava e desenhos animados americanos.

“Vâmu soltá pipa, mané?”, “Bóra”... , com os amiguinhos ocasionais dos parquinhos perto da modesta (mas aconchegante) e verdadeira casa onde nada lhe faltou – apenas futilidades. De resto: idem. Mesmo saído de uma escola pública, aprendeu algo; ainda que boa parcela de culpa por isso tenha sido deu se avô, avô que vivia a contar grandiosas histórias inventadas deste mundo.

Júlio brincou bastante, até bagunceiro, contudo tranqüilo e na boa: malandrinho. Até aí tudo normal; mas ocorreu o fato, um mísero e determinante desvio de curso, ou destino, se preferir: um jogo de futebol daqueles! Era a final do Campeonato Carioca de 2007, onde a seleção do Santa Cruz, time do seu avô, faturou a taça bem longe de seu campo, em São Januário, com um estranho gol-de-juiz. Então, Júlio: um carioca. No mesmo dia, empolgado, Júlio pegou uma bola, velha mesmo, que estava no quintal e chutou, correu, pulou, chutou novamente, caiu sozinho, vibrou, riu e riu.

Por diante, já sonhava ser bem simples, como via ao redor: samba, carnaval, futebol, cerveja e mulher; mas só iria conseguir: bate-bola e sambinha no final de semana, bloco de carnaval no bairro vizinho, bundinhas, cervejinha, farra, bagunça, farra, zoeira com os amigos, porre, vergonha na vizinhança, casa, ressaca, dor de cabeça, água de coco, sono, despertador, café da manhã, ônibus cheio, trabalho, mau humor, dia, tarde, noite, alívio ao comer comida da vó Léa... e para completar: risos e “olha ele” a políticos que aparecem com a velha cara de cara-de-pau no jornal das 8, sempre assistido com seu avô, Seu Jôna.

Ah, seus avós: Seu Jôna e Dona Léa, os melhores. Avô: jornal, cerva, papo furado, passarinhos, “Ei, jovenzinha”, futebol. Avó: bolos, crochê, papo furado com as amigas, telenovelas, filmes de faroeste, revista de corte e costura. Eles marcaram, por tudo que fizeram – pais. E no dia em que Seu Jôna, em meio a cuspe e bafo de cana num buteco, disse como pastor: “Achu que já, agóra, já com dôzi ânu, filhu, veju que tá preparáaadu prá escolinha de futiból, cômu eu ia” e Júlio caiu, em pensamentos, num futuro Maraca lotado para vê-lo: o melhor. Empurra-empurra, pulos, urras, ôôoléé!, êêê!, gol, gol, gooouu!... Cerva, grandes jogos, perna-de-pau e goleador e zoação, muita zoação na Geral. Esqueciam até do suor, na vibração. É domingo, é pelada; fazer o quê em casa? Juiz, cara ou coroa, sorte inicial, pés, olhares, mão pro alto, bola rolando... Jogo!

Sujo, fedendo a pinga velha destampada do botequim do Português e cansado: Júlio volta pra casa falando com uma garrafa. Escolinha só durou até ter que trabalhar pra ajudar os avós. Pouco depois... noitada, perfume barato, zonzo, íííc!, “Cadê a chávi, vó?, droga!... Vóóó!, tô prêzu!”, sofá... Dormir na boa, pra só acordar ao meio-dia. Sem fazer mal a ninguém, sua realidade tendia mesmo era a um carnaval barato de rua, preguiça, jogos e trocar idéias com os amigos. Tuntitundundum.

Foi despedido; já era o trampo de aux. de escritório – o melhor até então... Desempregado novamente, Júlio tentou aprender QI, mas será que ele sabia o que era isso? Nem frase. Contudo, disse a um amigo: “Achu quêsse tróçu aí é boa”. Esperto? Alguém pessoa, alguém comum: nascia Júlio, o jogadô. No seu interior ele sempre desejou o campo, e decidiu: “Séim tê qu’imitá ninguéim, vô sê u qu’eu quéru, iu mêu nômi vai sê Júliu, ô camisa déix”.

Madruga, cinco meses, três tentativas, times diferentes; volta Júlio pra casa semimorto, de tanto álcool no sangue. “É a vida”, disse, em meio a risos, um mendigo.

No dia seguinte ao fato, reflete enquanto passa em frente a um prédio “xique”, e diz pra si: “Ólha prá êlix tôduz aí in sima: cânsei!”.

Estádio aos domingos; pulos, gritos e revolta; camisa do time na segunda, paixão: a rotina relógio voltará? Júlio não quer estudar, nem ser o ator principal, nem empregado do mês. Lembra-se do passado... por quê? Vida adulta? Que nada, que beleza!, vida mansinha e... uns biscates já bastam... Ah, a praia, água ainda limpa pro banho que tanto lhe atraía. Júlio lembra, agora... ele e as meninas diferentes, de amiguinhas que fazia com timidez e inocência. “É jovem”, dizia Dona Léa. “Pôr que ligá? Vô cê dixtraídu”, pensava Júlio.

“Ôpa! Ôpa, amigu! Mas 25 anos? Xííí...” passaram rápido! Um minuto de silêncio, momento de respeito e brasilidade: saída do estádio: sorriso. No caminho, a sensação de um caminho. Enfim... Saiu às 5 da matina, trem lotado à última Estação Risco de Vida!, buscou, largou currículo, esperou, mofou, entrevistado, aceito a custo, sorriso, pessoa? Sim!, trabalhou, economizou limites, comprou quitinete, farreou pouco, andou, aprendeu, errou, viveu, namorou, desfez namoro, farreou menos, sossegou um cado, juntou-se com outra, comprou carro de segunda mão, viveu, cansou, reconquistou o viver, a companheira, um ano, descansou, até que um dia, trabalhando de servente, suavemente virou o seu avô.

Paulo Vitor Grossi
Enviado por Paulo Vitor Grossi em 05/10/2006
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