Dias de Cão.

Se eu vou almoçar?

Por que eu deveria almoçar? Por que diabos querem tanto almoçar? Sentar diante a mesa, todos reunidos, com panelas quentes contendo alimentos sendo sobrepostas e todos se servindo, olhando de soslaio, ao derredor, sempre receosos. A mastigação tem que ser correta, educada. Não é permitido deixar restos de comida no prato, é antiético, e quando acabar tem que deixar os talheres de forma como que informando que acabou...

Não quero almoçar! Não quero nunca mais almoçar! Detesto todos os homens a ponto de ter estômago para sentar comendo próximo a algum deles!

Por mais de trinta anos tentei ser bom, tentei ser gente, ser humano, escorreito, digno, cumpridor dos deveres do cotidiano, mas cansei, simples e puramente, cansei, antes que me transformassem num salsichão embutido do mercadão central municipal, cansei! Cansei deles, cansei de mim mesmo, do que eu era ou do que estava me transformando. Não queria ser um salsichão, muito menos um “enorme inseto”. E via diversos insetos ou salsichões, às vezes até arquivos eu via, andando pelas ruas, sem mais, autômatos cumprindo os mandados, os mandamus, carregando suas insignificâncias e mesquinharias do dia e da vida.

Meu último grande amigo, talvez o único, se foi sem deixar recados... De uma hora pra outra, desapareceu... Meus familiares estão todos mortos. Minha mulher, que me enganou durante muitos anos, esta sim, esta eu deixei em algum canto remoto de meu passado negro, dentro de um subconsciente cujo dispositivo de lembranças eu arranquei. Meus cães, um a um, foram caindo. Até a planta do vaso, antiga, secou sem deixar sementes! Eu continuei através dos cadáveres dos mortos, tristemente assustado, arrastando o que sobrou de mim, um amontoado de nada existencial, repositório de impurezas. Um suave torpor de rosas murchas avançou dentro minhas narinas insensíveis, fazendo-me recordar dos tempos do colégio Maria Peralta Cunha... Eu era bobo e feliz, e sabia disso. Uma criança pura e cristalina, magra e saudável, corredora; corria em toda e qualquer situação. Se estava na sala assistindo t.v. e quisesse um copo d’água, ia correndo até a cozinha, bebia e voltava correndo. Se tinha que ir à sorveteria, ia correndo e voltava correndo. Corria pra tudo. Ia correndo pra escola. Voltava correndo da escola, com mochila ou sem mochila. Corria no telhado, em cima do muro, no fogo, nos espinhos, na floresta, no barro, descalço, calçado, de chinelas, corria atrás dos animais, brincando de “atravessar a rua”, brincadeira louca e agressiva (muitas vezes espancavam os adversários com tapas violentíssimos nas costas), corria demais no futebol, tanto é que fora colocado na extinta posição de ponta direita, como velocista, desistindo do futebol devido à violência de alguns idiotas, que iam jogar bêbados, com taxinhas nas chuteiras e caneleiras de bambu. Não se importava com nada, mas amava a paz. Só um dia, que, após assistir algum filme idiota na t.v., resolveu testar um golpe na barriga de um pobre diabo após uma partida de futebol nas palhas de algodão nas proximidades da cerâmica. Arrepende-se até hoje, relembrando a cara de dor do moleque com o rosto fechado, encurvado, abraçando a barriga dorida. Fodia o caralho, não importava, corria sempre, run, boy, run, friend, run forever...

Estamos todos fodidos e nem sequer queremos nos dar conta disso! Mas, me pergunto, pra que se dar conta de alguma coisa? E há tempos o âmago humano tenta obscurecer a verdade, que não passamos do que todos no fundo sabem, um amontoado de carnes, músculos, entranhas e ossos! Vamos celebrar nossa capacidade de camuflar a verdade, nossa vontade de que tudo isso seja mentira! Vamos acreditar! Somos filhos de Deus!

Definitivamente, não estamos aqui para fazer nada certo. Incutiram o que é certo em nossa mente, e assim acreditamos. Sequer sabemos distinguir o que é certo ou errado. O homem, desde que o mundo é mundo, vêm implantando “loucuras” em sua mente, se achando gente, comendo “ervas” para se “purificar”. A “loucura” brotou com a insuportabilidade dos dias e da ausência de explicações para tudo aquilo. O homem, como se sabe, prescinde de explicações pra tudo. m(minha tinta é a cerveja que entra em meu cérebro-impressora! Ali há um processamento de dados intuitivos do que seja toda esta porcaria. Meu PC está queimado!) Digeri um turbilhão de códigos secretos durante toda a minha vida, que serão o prato principal das anêmonas selvagens dos subterrâneos terrestres. Vermes malditos anseiam desesperadamente pelo meu filé mignon. Mas isso é outra história, mais pra frente, não sendo conveniente adiantá-la.

Lembro-me de algum tempo ido, quando debruçado num balcão na Rua São Paulo, sentia a bílis azedar meu esôfago! Surrado, tinha uma transa minutos depois. E tinha que cumprir o ritual do sexo selvagem, delicioso, por sinal. Sexo selvagem é o melhor! Desde que higiênico e saudável, obviamente, e com uma mulher que deixe seu pau mais duro que uma taboca de aroeira, ou, para você mulher, um homem que te deixe mais molhada do que as cataratas do Niágara, jorrando um mel de flor de laranjeira, aberta para todas as possibilidades! Rio disso tudo! Um rio de loucuras! Abomino esses caras que gostam de contar papo de suas mulheres: olha, que ombros largos! Nossa, como transa! Me deixa louco! Ou, na boa, o cara que diz isso quer que provemos sua mulher! Mulher nossa não se põe à mesa! Regra básica!

Briguei com a mulher e, como sempre, quando isso se dá, saí revoltado em busca de cerveja. Comprei algumas e voltei pra casa, beber em alto e bom rock. Não tinha comida. Eu bebendo. Deu fome, fui comprar meio quilo de contra-filé no supermercado Barata Total. Percebi que não havia fila e o atendente ficou meio cabreiro quando lhe pedi meio quilo de carne. Cheguei em casa e botei logo a carne assar. A mulher acordou e me olhou com espanto, dizendo: ateu filho da puta! É dia santo e tu nem sabe?!

Será que pequei? Fiquei preocupado! O porém é que meu cachorro também comeu! Será que o pobrezinho pecou também?

Não quero “pecar”, detesto isso! Apesar de ser “agnóstico”, respeito e aceito todos os cultos. A crença é necessária, não se questiona isso. Sem ela imperaria o caos. Os homens são canalhas e precisam de regras, exceto os “cônscios”.

Existem os que “usam” leis, regras, códigos e religiões para se manterem em pé sob suas idéias, caso contrário praticam besteiras, e, por sua vez, existem aqueles que não precisam de nada disso.

Ex positis, tudo o que fora escrito aqui é mentira! Hoje é primeiro de abril, pode-se mentir! Amanhã já não pode!

Savok Onaitsirk, 01.04.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 30/10/2010
Reeditado em 30/10/2010
Código do texto: T2587186
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