Henrique Paz.

Quando tinha quatorze anos seu pai resolveu se candidatar a prefeito de Poeirópolis. Obteve dois votos. Incrível! Como um candidato poderia obter apenas dois votos?

Analisando a questão, apenas ele e mais alguém votou em sua chapa. Quem foi o outro, até hoje não se sabe, uma vez que seu filho Henrique era ainda incapaz para votar, e sua mulher era tão descrente em suas condições, que notoriamente não votou nele.

Henrique sofreu diversos enxovalhos públicos dentro do colégio onde estudava, levando, a partir de então, uma vida “nervosa”.

Seu pai, tamanha a decepção, sofreu um grave derrame cerebral, que o deixou vegetando na cama, onde se encontra até hoje, desacreditado por todos. Sequer conseguiu aposentadoria por invalidez. Uma tragédia familiar.

Henrique Paz deixou a paz e enegreceu a vida. Fechou o cenho e decidiu a a partir de então viver em guerra consigo mesmo e com o restante do mundo.

Um dia lhe disseram que parecia o James Dean, em Juventude Transviada, sendo que ele, antes de socar violentamente a cara de seu interlocutor, disse:

“Esse negócio de transviada não é comigo não!”

Abandonou o sonho de ter um pai prefeito, e, vivendo dentro do defeito, rumou para o submundo, consumindo drogas e enchendo a cara com força.

Um dia, bêbado, conduzindo o carro de um amigo, que ia desmaiado no banco de passageiro, entrou dentro de uma lagoa e acabou matando o dito colega, que tinha mulher e filho. Foi condenado por homicídio culposo e caiu, como beneficiário da assistência judiciária gratuita, sob os meus trabalhos de causídico de causas impossíveis.

Vi-me diante de uma alma nervosa, a pesar de seu sobrenome Paz. Um sujeito que não assimila mais o sistema social em que vivemos, não aceita nada, não concorda com nada, não admite trabalho, nem ordens, nem nada, virou um homem revoltado, bem ao contrário do que expôs Camus.

Em diversas ocasiões procurou-me como causídico para que peticionasse para ele algo justificando seus impropérios contra o estado democrático de direito. Fui usado assim durante alguns meses, até o dia em que lhe disse:

“Meu caro, não posso mais ficar atravessando petições ao Magistrado, uma vez que o mesmo já não aprecia mais seus pedidos.”

Henrique simplesmente se levantou da cadeira, ergueu-me a mão em cumprimento, olhando-me fixamente nos olhos, e disse:

“Deixe que tudo exploda!”

Diante disso, ato contínuo, sacou de uma granada, socou-a na boca, diante meu olhar de incredulidade, retirou o pino e saiu correndo rumo à porta de saída do escritório, mugindo palavras desconexas contra Deus e o mundo, explodindo no meio do quarteirão seguinte, sob os gritos de horror das freiras que passavam dentro de uma perua Kombi.

Pedaços de seu corpo foram parar por sobre as árvores da rua, e alguns outros foram imediatamente carregados por aqueles cães famintos que circundam por aí...

Savok Onaitsirk, 23.11.09.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 06/11/2010
Código do texto: T2599966
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