O batismo da favela

Prólogo

Naquele exato momento, Dona Patrícia estava com os dois garotos gêmeos no colo, parados enfrente ao barraco que moravam, na estreita viela da favela ainda sem nome, de algum lugar da zona leste de São Paulo, estavam a contemplar as estrelas e o pedaço de céu azul-escuro que podiam ver dali, quando Dona Patrícia ouviu gritos que vinham do alto do morro que a favela se estendia aos pés. Viu um brilho muito forte, parecia uma enorme tocha, porém, esta vinha se movendo morro a baixo a uma velocidade consideravelmente rápida. Foi então que Dona Patrícia sentiu uma enorme dor no coração. (...)

1 – Ensinamentos da velha Negra

Dona Patrícia era uma senhora negra, cansada, que já tinha lá seus 60 anos e ainda trabalhava como doméstica em um apartamento no centro da cidade, no qual deixou os últimos 20 anos de sua vida, tudo para criar a bela Roma. Roma era a única filha de Dona Patrícia, que a pegou pra criar ainda pequena, com meses de vida, que como milhares de crianças nesta megalópole sangrenta, foi abandonada em uma lixeira em plena avenida paulista. Ela lhe deu o nome da cidade que admirava ver as histórias nos filmes de época, que falavam sobre heróis, deuses, monstros, sobretudo Roma.

Com muito esforço e muito sacrifício, Roma frequentou a escola publica desde muito nova até terminar o colegial. Mas não sem ambas passarem muitas noites em claro, estudando o que Roma tinha dificuldade de aprender, não sem a Dona Patrícia deixar de almoçar no trabalho e trazer seu almoço para filha comer mais e ir bem na escola, claro que sem os patrões perceberem, porque se não, esta seria despedida imediatamente, acusada de roubo de comida. Não sem Dona Patrícia proibir Roma de sair na rua enquanto estava menstruada, pois achava que o cheiro de sangue é que atraia os garotos. Não sem vários sermões de como ocorre uma gravidez indesejada e oque ela podia e não podia fazer com o namoradinho antes de casar, oque rendia muitas risadas por parte das duas, sobretudo da parte de Roma que não sabia que sua velha sabia um monte de coisa obscenas: - Você não pode morder, você só pode amaciar, com as mão, e dar beijinho, num ponha na boca, só encosta a boca de leve, caso de que se não o bicho espirra branco em você! Hahaha, e num ponha no meio das perna, nunca ponha no meio das perna menina, não antes de casá e de ter um emprego, caso de que mulher hoje em dia num precisa de depende de home, se não dependê é até melho. Sábios ensinamentos de Dona Patrícia, teriam sido perfeitos se Roma os tivesse seguido.

2 – O Samba e o Nero

Foi na época da fundação da escola de samba da favela, que Roma o conheceu. Escola esta que ainda não tinha nome, assim como a favela, mas estava aberto um concurso de nomes, e quem desse o nome mais bonito, ganharia um barraco de 4x5 novinho e com laje batida e tudo. Nesta época, Roma já era adulta, estava com seus 20 anos, e era de longe, a negra mais bonita da favela, de longe, oque causava muita admiração dos homens.“Foi num ensaio da escola de sambaaa...” onde Roma conheceu Nego Nero: - Prazer rainha, Nego Nero! Roma fingiu que não ouviu e continuou a acompanhar o ensaio, estava concentradíssima, pois naquela noite, ocorreria a escolha da rainha da bateria da escola, e ela queria ganhar de qualquer jeito. Haviam varias mulheres lá, muitas feias pra cacete, mas haviam algumas que eram dignas de disputar com Roma, de disputar. Porque pra ganhar era difícil.

A bateria começou a tocar, os corações começaram a pulsar, e as negras a sambar, sambavam, sambavam muito. Gradativamente eram eliminadas algumas concorrentes, discretamente se aproximavam perto das concorrentes um dos jurados e as tocava no braço, e elas poderiam parar de sambar se quisesse. Algumas pararam, outras continuavam, ate que, em um determinado momento, só ficaram três, e as três tiraram o salto, quase que simultaneamente, sem parar de sambar. Era o samba, era a bateria, era o povo a torcer, eram as negras a sambar...a escola inteira estava em furor, ate que o mestre da bateria mandou que os músicos cessassem. Fez-se um silencio terrível neste momento, se reuniram os jurados encima do palco, cochichavam, cochichavam e nada decidiam. Foi nesse momento que Nego Nero se aproximou e cochichou no ouvido de Roma : - Você ganhou minha Rainha! Roma se assustou e quebrou o silêncio, com um esboço de grito, que seria um se fosse mais alto, mas quebrou o silêncio, e todos a olharam, oque lhe causou uma certa raiva e constrangimento. Não durou muito tempo por que na sequência os juízes deram o resultado, a vencedora era Roma. Mais festa, e agora para saudar a rainha da bateria da escola de samba da favela sem nome: - Roma, a negra mais gostosa da favela.

O ensaio tinha acabado e todos estavam parabenizando a nova rainha, que ia saindo também, e ao olhar para o outro lado da rua, viu o Nego Nero, se dirigiu até ele e e perguntou: - Como você sabia? - perguntou Roma. - Só havia você ali!- Como só havia eu, você não viu as outras concorrentes? - Sinceramente? Não!

Nego Nero, malandro que era, ou pelo menos achava que era, notou por onde ganhar a negra, pela vaidade, descobriu isso no momento que descaradamente foi se apresentar a ela e ela fingiu não ouvi-lo. Por sua vez, Roma, envaidecida, abriu o sorriso de orelha a orelha e na sequencia ficou sem graça.

Poucas semanas se passaram e os dois já eram notícia na favela, a notícia de que a Rainha escolhera um rei, um certo Nego Nero que era novo na quebrada, oque chegou aos ouvidos de Dona Patrícia : - Minha filha, quem é Nero? - perguntou Dona Patrícia - Nego Nero mãe! Ele gosta de ser chamado de Nego Nero, é o meu namorado. - E desdi quandu você tem namorado? - Já faz algum tempo mãe! - E por que eu tenhu que ficar sabendo pela boca dos otros e não de minha filha? - Ah mãe...é que ele é tímido, mas eu to esperando uma oportunidade melhor pra apresenta-lo a senhora. -Esperando oque? Ele é branco? - Não mãe. - É bandido? - Não mãe. - Trabalha? - Não mãe. - 2 a1 pra você. Pode traze o sujeito aqui que vo faze uma fejuada.

E assim ocorreu, Roma levou Nego Nero pra Dona Patrícia avaliá-lo. Dona patrícia, o recebeu bem, lhe serviu feijoada, deu-lhe caipirinha, após o almoço abriu uma cerveja, coisa que ela só fazia em ocasiões especiais, e no decorrer da conversa, foi contando toda a dureza que teve que passar pra criar Roma sozinha, que ela era sua única filha e sua joia mais preciosa, e sobretudo: - Meu filho você tem que arrumar um trabalho. - Eu to procurando Dona Patrícia, essa semana mesmo fiz uma entrevista em uma multinacional! - Que bom, era cargo de que? - É … de... assistente administrativo, mas o salário é bom. - E você gaguejou por que meu filho? Não é vergonha estar procurando emprego não, o importanti é procurar. Olhe se num der certo lá, você me avise que falo com o zelador lá do prédio onde trabalho e peço pra ele te botar de portero, lá tem uma vaga, você se interessa? - É...vamos ver... se eu não arrumar esse de assistente administrativo, se não der eu aviso a senhora.

Por volta de uma hora depois, encerrou-se o encontro e os dois enamorados saíram para...namorar. No caminho, pegaram algumas vielas que não era de costume Roma passar, perto da beira do córrego, onde havia um barraco do tráfico. - Onde vamos? - Espera aqui pretinha, que eu vou ali resolver uma parada.

Nego Nero deixou Roma uma viela acima e caminhou ate a beira do córrego, e foi exatamente no barraco do tráfico. Roma ficou de longe observando, lá embaixo era difícil ver, uma vez que a noite já caía, e as luzes dos postes lá de baixo eram quebradas propositalmente, mas havia um bico de luz próximo do tráfico, onde foi possível ver Nego Nero, comprando droga. Na volta ambos subiram em silêncio ate um determinado ponto, ate que Roma perguntou: - Porque que você usa isso? - Isso o que?O que você ta achando que eu uso? - Droga. - Desde quando maconha é droga? Maconha é uma planta minha neguinha, pode ver que é ate verdinha oh. - tirou a paranga do bolso e lhe mostrou. -Não é droga não? Lógico que é, eu conheci um monte de nego que morreu por causa de droga.- De maconha não, por causa de cocaína, de crack, de balinha, tu nunca viu ninguém morrer por causa de maconha, e nem ouviu falar que mataram fulano ou ciclano por causa de maconha, por que, por que essa parada aqui, não é droga, é uma planta medicinal princesa, e a brisa é da paz, do amor, do meu amor por você!

Roma que não concordava, também não tinha nenhum argumento forte o bastante para debater o assunto, e de certa forma, Nego Nero tinha razão, por causa de maconha ninguém nunca morreu, pelo menos ela nunca tinha ouvido falar.

3 – O Presidente.

E assim se passaram mais algumas semanas, os dois enamorados sempre colados, da escola de samba pras vielas escuras, e das vielas escuras pra escola de samba, estava chegando perto do carnaval, e a escola ia fazer um desfile de abertura ali na favela antes de ocorrer o carnaval no Anhembi. E foi alguns dias antes deste desfile especial, que O Presidente da escola de samba apareceu. O presidente era o chefe do tráfico da favela, um cara albino, magro, e que tinha parte com o capeta, diziam as más línguas. Ele comandava tudo do presídio, tinha sido eleito o presidente da escola de samba por conta do “patrocínio”que mantinha e escola. Mas não se sabe como nem porque, ele tinha sido solto para passar o carnaval com a “família”(talvez saibamos mas não é esse o conto).A escola de samba era em um velho mercado municipal abandonado, espaço amplo, e com algumas salas, salas estas para algumas reuniões, negociações de fantasia e etc. Algumas horas antes do ensaio começar, o presidente rumou para a escola de samba, queria ver as fantasias, ver como estavam as negociações de compra e venda de materiais e os últimos retoques. Entrou e ao passar pela quadra de ensaio, viu uma das luzes das salas de reuniões acesa. De pronto já sacou a “quadrada” e foi caminhando a passos leves ate a sala, pensou que fosse uma emboscada de inimigos que souberam da sua saída, ficou apreensivo e continuou em direção a sala. Ao ir se aproximando, ouviu sons que não pareciam de pessoas que estavam armando uma emboscada, o natural seria o silêncio, e a medida que andava o som ficou mais claro e nítido, tinha alguém trepando ali. O presidente então relaxou, guardou a “quadrada” mas continuou em direção a sala, e ao chegar na porta, pensou em abri-lá, mas não o fez, foi ate a janela que estava fechada e através das cortinas, por uma fresta que havia entre elas, pode ver. Viu uma linda negra com as mãos apoiadas encima de uma mesa, estava com uma tiara de fantasia de carnaval na cabeça adornado pelo seus lindos cabelos encaracolados, estava de luvas douradas, também de fantasia e de sandálias salto alto, estava com as pernas abertas e seu corpo levemente inclinado para frente, em direção a mesa, totalmente nu, pode ver seus seios balançando a medida que o cara que estava atrás dela lhe dava estocadas, cara este por sinal que desgostou assim que viu, mas o presidente não se importou, e ficou ali a contemplar a bela mulher negra nua com a fantasia de carnaval antes do ensaio começar. O “presidentezinho” logo ficou em “riste”, havia um bom tempo que sua ex-mina não lhe fazia visitas intimas, por que estava morta a mando dele, não pode suportar e passou a masturbar-se ali mesmo. Era como se ele estivesse ali no lugar do cara, na verdade em sua mente estava, era ele quem estava ali,fazendo amor com aquela bela negra.

Após terminar de transar com a bela mulher negra(em sua mente), o presidente saiu do barracão da escola, sentou do lado de fora, e começou a bolar um “baseado”, pra relaxar.

Roma e Nego Nero saíram pouco tempo depois, esta já não estava com a fantasia, mas mesmo assim continuava linda. Ao saírem, se depararam com um sujeito sentado na porta da escola de samba fumando um baseado, um sujeito que Roma nunca tinha visto ali, Nego Nero então ao passar por ele disse: - O chapa, tem como dar uns dois ai? - Oh claro que sim...chapa. - Da licença ai chapa. - Fuma ai, fuma ai ...chapa. Sua patroa? - Ainda não, minha namorada. - Noiva. Nós vamos casar depois do carnaval; prazer Roma. - Encantado, Branco, as suas ordens. Então Nego Nero cometeu a falha que deu inicio a sua derrocada, ele riu.- Qual é a graça...chapa? - Desculpa ai chapa, é que é engraçado um cara branco como você ter o vulgo de Branco. - Minha graça é Aristotéles Ferreira, mas a rapaziada me chama de Branco, tem nada não fica sussa.

Na mesma noite, no ensaio da escola de samba, o mestre de bateria parou o ensaio para que o presidente fosse apresentado. Oque foi uma surpresa para Roma e Nego Nero, uma vez que eles tinham ouvido falar que o presidente era ruim igual ao diabo. - Ai nega, sou um cara de sorte mesmo, ate já fumei um com o presidente. Mas Nego Nero não acreditava em diabo, não sabia que o diabo era ardiloso. O ensaio recomeçou e pra surpresa do presidente, aquela que ele tinha visto algumas horas atrás, era a rainha da bateria, e era como tinham lhe falado, uma deusa de ébano...ele sabia.

Faltavam alguns dias para o desfile na comunidade, e o presidente, agora presente para tomar as decisões, estranhamente começou a requisitar a presença da rainha de bateria em tudo, desde detalhes de adereços ate decisões que eram tomadas exclusivamente pela diretoria da escola.

Até que no dia anterior do desfile na favela, logo pela manhã, foi um garoto entregar flores e bombons para a rainha da bateria, cortesia do presidente. Assim que Nego Nero chegou, na hora do almoço, Roma lhe disse que a sua menstruação estava atrasada, e que poderia estar grávida, e Nego Nero, vendo aquelas flores ali encima da mesa, despejou: - E o filho é meu ou do Presidente?Assim que ouviu, Roma sem pensar lhe deu um tapa na cara. Dona Patricia chegou bem na hora e pôde ouvir oque disse a filha ao namorado, e a resposta do mesmo. Fez-se um silencio mórbido. Nego Nero então saiu por onde veio.

O Presidente sabendo deste ocorrido não se sabe como(talvez saibamos mas não é este o conto), no dia do desfile da favela, anunciou o resultado do concurso de nomes da favela e que também seria o nome da escola de samba: - Império de Roma. E o ganhador do barraco era Nego Nero. Mas como este sujeito estava sumido da favela alguns dias, o barraco ficaria para sua futura esposa e família. Roma ficou contente, mas não sabia mais se seria a futura esposa do Nego Nero, uma vez que ele estava sumido a alguns dias, desde a discussão.

O fato é que Nego Nero havia sido expulso da favela pelo Presidente, após ele ter puxado sua “capivara” e descoberto que ele deu brecha em uma favela na zona sul e estava corrido, e pra não dar desgosto pra Roma, não o mataria, mais era pra ele mudar de São Paulo, sumir da Zona Leste, mas não fez isso antes de dar uma bom sacode, claro.

O desfile aconteceu na mesma noite, toda a favela gostou, achou muito bonito, mas não o suficiente pra ganhar o carnaval e ir pro grupo especial. O Presidente no final do desfile chegou em Roma e disse: - Princesa, casa comigo, você vai ser a rainha de tudo aqui, essa favela aqui é sua, é só você casar comigo. - Oh presidente, eu agradeço o pedido, mas eu estou acabando de sair de um relacionamento, e estou gravida... - Eu crio o muleque, ele vai ser um príncipe. - Não me leve a mal por favor, mas eu to precisando de um tempo pra min.

E Branco assim o fez. Esperou. Esperou nove meses ate os garotos nascerem, eram dois. Gêmeos. E então ele voltou a procura-lá.

- E ai minha rainha, agora que os muleques já nasceram, vem ser minha que eu vou te dar tudo. Sai da casa da sua mãe e vai pro barraco que você ganhou. - Branco, eu não tenho condições de ir pra aquele barraco, ele nem é meu, ele é do Nego Nero, e se ele voltar? - Na moral princesa, aquele mané não vai voltar não, e você ta com muita marra pra uma neguinha qualquer da favela, nem é mais tão gostosa como quando eu te conheci. - Vai ficar então com outra neguinha de favela que essa daqui não nasceu pra ser mulher de bandido. - Então não vai ser mais de ninguém, vai virar freira filha da puta. Em seguida Roma deu um tapa na cara do Presidente...que em sequencia virou um soco na cara dela. - Ta loca vagabunda, te dou tudo, te dou ate a minha favela e você vem me agredir, ta pensando que eu sou aquele viado do Nero, aqui é o crime caraio! O presidente saiu andando.

4- E Nero poe fogo em Roma

Dias depois, Roma estava com os gêmeos, Rômulo e Remo na sala do barraco de sua mãe,quando bateram na porta, era o garoto que trabalhava para o Presidente, agora não trouxe flores, afinal “os inimigos não mandam flores”, trouxe um bilhete. - Suba agora que o Nego Nero esta aqui. Roma deixou os garotos com Dona Patricia e ia saindo quando sua mãe disse: - Adeus minha filha, você num volta mais.- Oque é isso mãe... eu só vou la jogar na cara daquele safado que os filhos dele nasceram e não precisam dele pra nada. - Eu sei, os minino não, quem precisa é a mãe deles. Roma não respondeu e subiu a favela, ate o alto do morro onde ficava a casa de Branco, e ao entrar la, viu Branco sentado na sala de sua casa(ele realmente tinha uma casa, não era barraco) assistindo Sportv com mais três caras armados, que assim que ela chegou, saíram. - O que que você quer ?– perguntou Roma. - Pô Roma não queria te bater, foi mal, foi instinto. - No bilhete estava escrito que o Nego Nero estava aqui. - Ele ta, mais antes, me diz que você mudou de ideia e pede desculpa pra min. - Desculpa de que? Você me chamou de vagabunda! - E você trabalha?Quem não trabalha é vagabunda pô, não quis ofender a sua moral. Se você tivesse casado comigo nada disso iria acontecer, olha só, se você me pedir desculpa pelo tapa que me deu, nada disso precisa acontecer – Branco disse quase chorando.- Você ta ficando louco, você ta drogado!- Drogado não porra, eu não uso droga, e tu é muito marrenta, você ta vendo um rei chorar e ainda assim fica com essa marra, vocês se merecem memo, ele ta ali no quintal. Branco se levantou e saiu pela porta dos fundos, chegando no quintal, que dava vista para toda a favela e até para o centro daquele bairro da zona leste, estavam os caras que estavam com o Branco na sala, estavam todos rindo, fumando uma puta “vela”, ao lado, no chão, todo ensanguentado, machucado, sujo e com as roupas rasgadas, estava Nego Nero. - Esse filho da puta ai não me ouviu,mandei ele vazar da quebrada e ele foi roubar varal na quebrada vizinha, nós pegamos ele e trouxemos aqui pra você ver. Esse ai é o maluco por quem você tava apaixonada, um noia. Ladrão de Varal, pra comprar pedra ele roubava varal. Você ama ele ainda né? Com o rosto molhado de lagrimas e tremendo, respondeu baixinho: - Amo. - Mas ele num ama você, ele ama a pedra, agora memo ele ta viajando, os meninos ai acabaram de dar pedra pra ele, ele ta pipado. Você ainda ama ele mesmo assim? - Amo – respondeu Roma. - E por que você não me ama?Eu não uso pedra, eu tenho dinheiro, pra eu ser chefe do trafico do estado todo falta pouco, porque ele e não eu? - Porque eu amo ele! -Mas ele ama a pedra porra – gritou Branco. - Da mais uma pra ele Chiquinho. Um dos caras desembrulha de um papel alumínio uma pedra minuscula, põe encima de um copo de água mineral improvisado de cachimbo e entrega para Nego Nero junto com um isqueiro. Nego Nero começa a pipar. Não Nero! - grita Roma dando um tapa no cachimbo que voa longe. Nego Nero por um momento fica olhando o cachimbo voar la pra baixo e quando cai, ele olha pra Roma e avança pra cima dela, os rapazes de Branco o seguram. - Te falei que ele ama a pedra. Branco saca a quadrada, a engatilha e aponta para Nego Nero. - Não! - grita Roma. - Você é uma vagabunda mesmo, ta vendo que ele não gosta de você e ainda assim você o defende. Vocês se merecem. Pega a tocha la Chiquinho. Chiquinho vai ate um canto e pega uma tocha apagada, vai até outro canto e pega uma garrafa com álcool, toma o isqueiro que estava com Nero e entrega a Branco. Branco joga o álcool nos dois. - Sua ultima chance princesa, eu ou ele. - Não, pelo amor de deus Branco não,deixa agente em paz, que que eu te fiz? Ele não te fez nada, deixa agente em paz, pelo amor de Deus, eu amo ele, pelo amor de Deus. Neste momento branco grita tomado de fúria e com lagrimas nos olhos - Eu ou ele Roma, caraio? - Ele!. Fez-se um outro silencio mórbido. Podia se ver ali, dois caras parados quietos, brisando com a cena, um cara com um tocha apagada na mão, de frente pra um casal ensopado de álcool, a mulher em lagrimas tremendo em silencio, o homem, parado com os olhos arregalados, talvez enxergando luzes florescentes e mosaicos verde limão, pipado de pedra. O silencio é quebrado pelo barulho dos dedos de Branco acendendo o isqueiro Bic, - Tskc. A chama do esqueiro toca na estopa da tocha e este diz: - Toca fogo que eu te dou mais pedra. Branco entrega a tocha para Nego Nero que sem pensar, como se só tivesse ouvido a palavra pedra, ateou fogo em Roma.

Epílogo

Naquele exato momento, Dona Patricia estava com os dois garotos gêmeos no colo, parados enfrente ao barraco que moravam, na estreita viela da favela Império de Roma, em algum lugar da zona leste de São Paulo, estavam a contemplar as estrelas e o pedaço de céu azul-escuro que podiam ver dali, quando Dona Patricia ouviu gritos que vinham do alto do morro que a favela se estendia aos pés. Viu um brilho muito forte, parecia uma enorme tocha, porém, esta vinha se movendo morro a baixo a uma velocidade consideravelmente rápida. Foi então que Dona Patricia sentiu uma enorme dor no coração.

Logo depois ouviu-se um tiro, depois um homem gritando, suas palavras traziam desespero, ódio e dor. O presidente gritava: Império de Romaaaaaa!