Histórias de Animais.

Minha cadela corre atrás de mim tentando me morder com a finalidade, imagino, de arrancar meus males. Ela me ama tanto, que desde que a conheço por cão ela se vê tentando me puxar para algum caminho que não o que estou seguindo.

Rezam as lendas populares que cães e gatos, por algum sentido desconhecido, conseguem visualizar espíritos e prever malefícios que porventura venham a nos acometer. Cães vez por outra latem desesperadamente para o nada e, quando morrem por alguma doença repentina, dizem os antigos que a doença era para o dono. Confesso que dentro meu ceticismo não creio nem duvido, apenas analiso e associo por vezes tais acontecimentos, uma vez que sempre gostei e criei animais de todos os gêneros. Criei muitos gatos e cães, mas meu irmão já era mais radical e inumano a ponto de criar jabutis, coelhos, preás, jacarés, pássaros de diversas espécimes, peixes e até um tatu já apareceu lá pras bandas de minha casa de infância. O que nunca gostamos de criar foi gente, pois gente dá trabalho demais, além de serem quase sempre incompreensíveis e maliciosos. Nesse sentido vale até repetir aquela velha máxima que diz que “quanto mais conhecemos os homens, mais prezamos os animais”. E confesso com pesar, para a tristeza dos humanistas de plantão, que acredito piamente nisso.

Convivo com animais desde que me conheço por gente. Lembro-me que logo após meu nascimento fui “batizado” por um cão chamado “Tiquinho”, que me proporcionou sua “hóstia” salivar quando mamãe se descuidou. Foi lírico! Paixão à primeira lambida!

O problema foi que a princípio chorei e logo em seguida Tiquinho não foi mais visto pelas bandas de casa. Provavelmente perceberam algo errado e deram um sumiço no pobrezinho.

Dizem as más línguas que um beijo de língua de um gato pode arrancar a alma de um indivíduo. Isso desacredito.

Dizem ainda, o que desacredito também, e até me empenho em campanhas contra, que os gatos são seres do mal. O que é isso? Um absurdo, respondo!

Todos os animais são instintivos e defendem exclusivamente sua gene! Gatos são considerados sagrados em alguns países, em especial no Egito, pela sua sagacidade e sabedoria de vida, os quais, os felinos de um modo geral, influenciaram muitos comportamentos humanos, inclusive em designers de alguns veículos, principalmente motocicletas. É sabido também que o desejo humano pelo vôo se deu devido à sua observação secular pelo vôo das aves. Como podia Deus conceder-lhes asas e não aos seus filhos preferidos?, pensavam os primitivos.

A história é profícua aos demonstrar que muito da evolução humana se deu pela observação da natureza e seus maquinismos evolutivos incríveis, até hoje e talvez nunca reproduzidos com perfeição pela mente e mãos humanas.

Entre meus dez e doze anos tivemos em casa uma cadelinha vira-lata marrom chamada “Bolinha”, que contraiu um “câncer misterioso” de uma hora pra outra. Passou conosco seus últimos dias de agonia, definhando dia-a-dia, e como fedia a pobrezinha. Ficava numa casinha no fundo do quintal, até o ponto em que meus pais proibiram as crianças de vê-la. Estava já mal. Fui lá escondido algumas vezes. Foi ali, aos doze anos, que senti pela primeira vez os horrores da doença e da morte, sensibilizando-me sobremaneira, transmitindo talvez muito do “desespero” que carreguei até hoje.

Talvez por isso que muitos pais usam a psicologia de ter animais em casa para que os filhos assimilem que toda vida morre, até pessoas e animais que aprendemos a amar, e que assim, quando por fim eles, os pais, tiverem que partir, eles, os filhos, independentemente da idade em que estiverem, se conformem, se acautelem e evitem sofrimentos destrutivos. Quero um dia expor sobre o sofrimento, mas fica para momento oportuno.

Depois da “Bolinha”, faço questão, por respeito profundo, a utilizar letra maiúscula para iniciar o nome dos animais os quais convivi. Até hoje nutro saudosa lembrança de seus gestos e olhares.

Chorei por muitos, lágrimas sinceras de criança incompreensiva.

Numa tarde meu pai apareceu em casa com um Dautschung (não sei se a pronúncia está correta), um daqueles cães de origem holandesa, mais conhecidos pelas propagandas da Cofap, o “turbo gás cofap”, ou “salsichinha”, como preferem. Era marrom também. Ficou conosco uns cinco anos, até que numa manhã amanheceu arrastando a parte traseira. Com o susto de uma trovoada na noite anterior esbarrou e deixou cair uma madeira (meu pai era marceneiro) sobre si. De início achamos que era passageiro, mas o veterinário disse que havia quebrado a coluna, caso típico naquela raça, devido á longa e sensível vértebra.

Disse ainda o veterinário que a melhor saída nesses casos era o sacrifício, o que não permitimos. Acreditamos no Deus também dos animais, e numa eventual cura milagrosa.

Recordo que na tarde em que meu pai trouxe a notícia da coluna quebrada e da chance zero de recuperação, esperei todos se ausentarem, me debrucei sobre o animal e, pela primeira vez na minha vida, chorei rios de lágrimas sobre seu corpo inerte, clamando aos céus que curasse aquele pobre animal, de nome “Rambo”.

De nada adiantando, afora meu desabafo, tendo meu pai, nos dias que se passaram, construído uma forma de cadeira de rodas, acoplada na traseira do Rambo, na ânsia de que não se arrastasse no chão áspero até a carne se expor. Mais uma tentativa infrutífera, o cão, instintivamente, ao correr e fazer curvas desesperadamente, virava a cadeira de rodas e saía assim mesmo a arrastando, o que agravava a situação. Após várias tentativas de amenizar as coisas, minha irmão, contando à época com oito anos de idade, uma “santa protetora dos animais”, resolveu velar dia-a-dia pelo cão, o acompanhando e procurando sempre manter um pano sobre sua traseira imóvel, para que, em seus movimentos, não se ferisse tanto.

John Rambo ficou ainda mais um ano conosco nessa situação, definhando gradativamente a parte afetada, que havia perdido a vida, até o dia em que, numa manhã, quando minha irmã levantou cedo da cama para alimentá-lo, notou que já não estava mais entre nós.

Em sequencia veio outra “Bolinha”, vira-lata peluda, branca e preta, carinhosa como sós os vira-latas podem ser, que tragicamente, escapou atabalhoadamente e morreu atropelada na frente de minha irmã, que corria atrás. Ela viu tudo, e quando percebeu o choque e o corpo inerte da cadela, rumou para seu quarto aos prantos e ficou por lá durante duas longas e tristes semanas, mal se alimentando e faltando do colégio. Minha mãe levava comida pra ela na cama, tentando fazer com que engolisse alguma coisa.

Teve um gato que se chamava “Mimi”, e que só depois de muito velho fomos saber que era macho. Esse gato tinha alguma coisa, era rajado, tranqüilo como a Pantera Cor-de-rosa, mas muito magro. Como a maioria dos gatos, sumia e aparecia vez por outra. Quando reaparecia, depois de uma semana, aproximadamente, vinha mais esquálido ainda, cheio de timbetes, carrapichos e extremamente esfomeado. Devia estar na “farra”, minha mãe dizia, até o dia em que não voltou mais. Meu pai tentou nos conformar afirmando que gatos eram assim mesmo, gostavam de morrer sozinhos quando chegava a hora, que eles de algum modo previam. Nobres e orgulhosos, esses felinos!

E na sequencia tive muitos outros, no “Neguinho”, a Tupinambá e a Carniça, um gatinho negro que ainda jovem, por descuido meu, morreu estrangulado por outro gato preto, estranho e adulto. Cheguei a presenciar o final do ataque, e “Carniça” ainda ficou mais uma noite conosco, mortimbundo, vindo a falecer na fria manhã seguinte ao ataque. Estava duro, coberto sobre o tapete da sala de casa. Tive de chamar o digno Sr. Coletor de Lixo da rua para retirar o gato de lá, devido à minha sensibilidade afetada. Um dia retirei da rua um gato de minha irmã, que havia sido também atropelado e que se encontrava literalmente empastado no asfalto. Puxei-o pelo rabo, estava colado no chão, mas este eu não conheci pessoalmente, motivo o qual de minha insensibilidade. Quando se manteve afeto por algum ente ou animal próximo, não se quer por motivos óbvios ver seu corpo morto, motivo o qual abomino velórios, um verdadeiro culto à insensatez.

Cães, além dos aludidos, tive ainda o “Chapolin” e a “Keith”, ambos também “salsichinhas”. O Chapolim, fruto de incesto, nasceu com mal-formação, tendo a parte superior da boca maior que a inferior, o que lhe dificultava a mastigação. Quando bebê foi cuidado por minha irmão, que o amamentava com mamadeira. Porém quando tomou consciência da vida, adquiriu uma fome insaciável. Comia até pedra, literalmente.

Já a Keith, “salsichinha” negra, sempre fedeu muito durante seus seis anos conosco, e veio a falecer de câncer na mama.

Hoje tenho a “Sophia, a Cadela Vadia”, uma yorkshire de um kilo e meio, linda, cocuruto com pelos brancos, que é um caso à parte...

Animais, ame-os mas nunca deixe-os!

Savok Onaitsirk, 09.06.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 30/11/2010
Código do texto: T2645194
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