O VESTIDO AZUL***

Acordei no escuro, havia a um silêncio de mosquitos voando..

Empurrei as cobertas, fazia calor.

A sensação era a de sempre, ou seja, fui trapaceada e dormi.

Todo mundo ficou sossegado durante o meu sono incauto...

Ouvi vozes ao longe, mulheres rindo, crianças.

Muito bonito! Todos se divertiam às minhas custas... No mínimo havia bolos e leite. E eu aqui, dormindo para sossegar os adultos.

Levantei pronta e com a carranca feita.

Quando cheguei à varanda, todos sorriram para mim e no meio da confusão havia um vestido azul todo fanado.... Meu vestido nas mãos daquela mulher, nossa vizinha.

Toda dentes....

E ela sorria segurando as dobras do meu encantamento....

Minha mãe logo avisou, iria doar o vestido, pois não me servia mais e eu havia usado muito. Seria muito útil para uma das filhas daquela senhora...

Meu coração parou e pensei: Como ousam doar o meu vestido lindo?

Disse que não e abri o berreiro.

A mulher olhou-me sempre sorrindo, e pensando com certeza, “Isto é coisa de criança” e toda dentes dizia: Mas como? Então não quer me doar o vestido? Por quê? Se não quiser, não levo... Mas já levando...

E eu firme.. A mulher sem graça, dentes grandes para mim sorrindo e o vestido na mão. Foi uma guerra surda, minha carranca e os dentes da mulher.

No fim, minha mãe firme, “leve sim, isto é manha”, ela não usa mais.

Minha dor cresceu e toda a raiva que pude extravasei no olhar que dei à mulher-dentes. Meu choro copioso ficou trancado dentro de mim, tamanha era a injustiça que senti nos meus pequenos quatro anos. Conheci naquela hora, a impotência da infância, a crueldade sem querer dos que nos amam e acima de tudo, a perda irreparável.

Hoje, anos depois, tenho tantos vestidos mais e menos bonitos que gosto, mas não tanto como aquele que vi nas mãos da “mulher- dentes”. E não sei por que razão, nunca nego o empréstimo de um deles, por mais bonito e novo que seja....

Creio que aprendi que o respeito pela vontade do outro é a maior moeda de troca que pode existir

Também em http://oceucinzentodeangel.blogspot.com/

Angela Gasparetto
Enviado por Angela Gasparetto em 30/11/2010
Reeditado em 09/06/2017
Código do texto: T2646025
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