O PRESENTE DOS SONHOS

José Carlos da Silva era um menino pobre de apenas oito anos de idade,mas já se virava para prover o sustento da família.Órfão de pai,aprendeu muito cedo a ter responsabilidade, e ajudar a mãe a criar seus outros dois irmãos menores.

Zezinho da graxa,como era conhecido na Praça da República,ganhava pouco como engraxate,mas sabia o quanto sua família dependia dele.Todos os dias,fazia o mesmo percurso,saia do barraco em que morava com a mãe D.Francisca que lavava roupa pra fora,uma irmã de cinco anos,chamada Tereza e Nicolau a caçula de dois anos.

Pegava o apoio de madeira,a graxa, e a escova, se despedia da mãe e dos irmãos,e saia para mais um dia de trabalho,ia assoviando o hino do time do coração,Papão é claro.Café? Não,não tomava café da manhã,o dinheiro só dava para o almoço,quando dava.

Zezinho,nem deve tempo de ter infância a única vez que ganhou um presente ,foi em seu aniversário de cinco anos,a madrinha que ainda era viva,havia lhe dado um gibi do Super Homem,seu herói preferido,mas ele só fazia olhar as figuras,porque até hoje,o menino só sabia rabiscar o nome.

Agora,dinheiro!!! Conhecia bem.Cobrava um real para deixar os sapatos brilhando que nem espelho,e quando era para passar o troco,fazia direitinho.

Naquela manhã o garoto foi para o trabalho como de costume,mas seu coração estava apertado.Era véspera de Natal,dói em sua alma infantil,o fato de não ganhar um brinquedo,como os outros meninos,e também não poder ter um pouco de alegria junto à família.

Avisou que ia demorar,o movimento com certeza seria intenso, e não podia deixar de ganhar um trocado.Até mesmo porque preferia chegar em casa, e já encontrar todos dormindo.

Lembrou-se que o movimento no shopping da cidade seria intenso naquele dia e resolveu mudar seu ponto pra lá

Ia caminhando de cabeça baixa,distraído,desceu da Avenida Presidente Vargas para a Padre Eutíquio,chegou,o imponente shopping,o fez devanear por alguns instantes. –Nossa !!!Parecia um palácio,pensou.Encostou-se por ali,próximo a entrada principal,com cuidado para que o segurança não o visse.Sentou-se na calçada,colocou o apoio no chão e ficou observando o movimento das pessoas,com seus pacotes e sacolas de presente.De repente levantou os olhos na direção de uma vitrine,e viu a coisa mais linda do mundo.O presente que sempre sonhara,ali na mão de um boneco com roupa do Rambo.Uma metralhadora que fazia o mesmo som de uma de verdade.Por alguns instantes se imaginou dono do presente.Foi despertado do seu transe,por alguém que lhe falava docemente.

-Olá garoto.Que tal uma engraxada nas botas do papai Noel?

O menino assustou-se.Sempre soube que papai Noel não existia.Sabia que era apenas um homem fantasiado,que ia animar as crianças nas lojas e fazer com que os pais gastassem dinheiro comprando brinquedos caros.

-Tudo bem. É um real.Agora sem essa de Papai Noel,retrucou amargamente.

-Como assim?

-O senhor é um homem comum com essa roupa vermelha ai.Sei que Papai Noel só existe para criança rica.Porque se existisse mesmo,pra valer....

Fez-se um silêncio, e os olhos do menino ficaram vermelhos e marejados de lágrimas.

-O que tem se Papai Noel existisse mesmo?

-Me daria àquela metralhadora.

E apontou para a vitrine com os dedos descarnados e trêmulos de fome.

-Porque não experimenta pedir?

-Porque sei que o senhor não é Papai Noel,e nem tem dinheiro,senão não estaria ai,dentro dessa roupa quente,suando feito um doido,aturando um montão de crianças mimadas,para ganhar m trocado também. Eu não vou ganhar merda nenhuma hoje,a a não ser a reclamação da minha mãe,dizendo que a vida é uma droga, e o choro de fome dos meus irmãos.

O homem ficou pálido e entristeceu,acostumado a encarar o lado feliz da infância privilegiada,chocou-se com a dureza daquele pequeno coração.

-Pronto,acabei!!! O senhor tem trocado? To começando agora,e ainda não tenho troco.

-Aqui está. Posso saber que horas você irá sair daqui hoje?

-Não sei,não senhor.Enquanto tiver movimento,vou ficando.Se não der para voltar para casa,durmo por aqui mesmo.

-E não vai passar a noite de natal com sua família?

-Só pra os vereles chorando de fome,como eu já disse para o senhor.

Aquelas palavras feriram profundamente o coração daquele homem.De fato,o movimento naquele dia foi bom,Zezinho conseguiu dez reais,estava feliz por ter tido aquela idéia. Já estava ficando tarde, e o movimento começava a diminuir.Deu uma última olhada para a metralhadora,ainda caminhou por ali,o relógio na praça marcava quase meia noite,sabia que não encontrava mais ônibus pra voltar pra casa.Vencido pelo cansaço e pelo sono,acomodou-se sobre uma caixa de papelão,debaixo de uma marquise,fazia frio.Logo adormeceu,e sonhou que estava em uma bonita casa,junto com a mãe e os irmãos.A mesa da ceia era fartaparecia àqueles banquetes,que via nas novelas,na televisão da vizinha.

No centro da sala uma imensa árvore de Natal repleta de presentes e enfeites coloridos.De repente,apareceu seu pai,que lhe entregou um enorme pacote embrulhado em papel metálico e amarado com uma reluzente fita azul.

Afoito o menino rasgou o papel.Seu coração bateu acelerado,a metralhadora que virá no shopping.Correu em direção ao pai,ia abraçá-lo,sentia saudades,ele tinha morrido quando Zezinho ainda era muito pequeno,foi quando ouviu um zumbido próximo a si, e acordou.Quase desmaia,ali bem ao seu lado estava à metralhadora que sonhara.A princípio imaginou que ainda estivesse dormindo,esfregou os olhos assustado, e apesar do medo,resolveu tocá-la para ver se era de verdade.

Era!!! Então não estava sonhando,levantou os olhos e ainda pode ver sumindo por trás do muro da igreja,um homem gordo com um saco nas costas.Pensou: Nossa,não é que ele era mesmo Papai Noel.Estava excitado,louco para contar para a mãe o que acontecera naquele dia.Largou seus apetrechos de trabalho,e começou a brincar.Gargalhava sozinho imaginando um super herói,ou um policial durão.Começou a correr pela praça,jogava-se no chão com as pernas para cima,fingindo atacar o inimigo,e ria,como toda a criança,que acaba de ganhar um brinquedo novo,adorava o som das rajadas: rátátátá....

De repente a sirene da polícia começou a soar,pareciam muitos carros,uma perseguição,pensou,uns dez pivetes passaram correndo por ele,ouviu tiros,som esse que lhe era familiar.Com muito medo,Zezinho começou a correr também.Rápido sentiu que estava encurralado num beco,com outros três meninos,ouviu quando o policial pediu a arma.Foi quando percebeu que empunhava a metralhadora.

-Não,ela é minha,não dou não!!!

-Vamos pivete,dê a arma ou eu atiro...

Num ímpeto infantil,como quem está brincando,Zezinho apontou a arma de brinquedo em direção ao policial e fingiu puxar o gatilho.Talvez naquele momento tenha se imaginado o Rambo,ou coisa assim.

Ouviu apenas um estampido,e um baque em cima do peito,as luzes rodaram,a imagem que via,ficou turva,sentiu uma tonteira,algo quente escorreu-lhe pela barriga e caiu no chão,ouviu o tropel dos outros meninos correndo Dalí.Dois policiais se aproximaram de seu corpo já inerte,um deles colocou o dedo indicador em seu pescoço, e o outro se abaixou para pegar a metralhadora.

-Está morto!!! E a arma?Perguntou para o outro policial.

-É de brinquedo!!!!

Maíra Monteiro
Enviado por Maíra Monteiro em 30/12/2010
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