O meu primeiro adeus

A primeira vez que estive em contato com a morte foi quando eu tinha uns 7 anos. Foi a primeira vez que percebi como era isso, que eu via tanto nos filmes, nos desenhos animados, nos contos de Fadas. Foi a primeira vez que percebi que era inevitável.

Estava na casa da minha tia-avó junto com vários primos de variados graus. Um bando de crianças e pré-adolescentes, o mais velho talvez tivesse uns 12 anos (cúmulo da maturidade) e o mais novo uns 4 ou 5.

Uma hora, veio uma das primas (das velhas) e falou que o gato da minha tia tinha matado um passarinho na porta da cozinha.

Ela contou que o passarinho entrou pela janela, e o gato, sem pensar duas vezes agarrou-o com a boca e sacudiu bem forte. Minha prima foi pra cima do gato, para ver se conseguia impedir, o gato se assustou com ela, saiu correndo, e largou o pássaro lá mesmo. Minha prima ficou assustada com o pássaro caído e resolveu chamar nós todos.

Chegando lá, eu vi, em meio a muitas penas soltas, um passarinho pequeniníssimo, com o peito encostado no chão, a cabeça meio torta...

-"Ai! Tadinho!"

-"O que a gente faz com ele?"

-"A Tia Cecília saiu?"

-"Saiu!"

-"Vai demorar pra voltar?"

-"Vai. A gente tá sozinho."

-"Será que ele tá vivo?"

-"Acho não."

-"Eu acho que sim."

-"Tá nada!"

-"Tá sim!"

-"Não dá pra deixar ele aí..."

-"Arranja um pano, alguma coisa pra enrolar ele."

-"Mas e se não tiver morto ainda?"

-"Alguém tem que pegar ele, então."

-"Ai! Eu não pego!"

Ficamos meia hora tentando decidir o que fazer, mas sei que, no final das contas, eu que tive que tirar o passarinho dali. No começo, estava achando aquilo tudo muito esquisito. Meio nojento, até. Mas quando segurei ele, virado de frente para mim, vimos que ele ainda não estava morto. Às vezes ele abria os olhinhos, ficava assim por algum tempo, logo em seguida fechava outra vez. Ele estava com o pescoço quebrado.

Nas minhas mãos aquele pequeno passarinho foi aos poucos desistindo da vida.

Olhava para as coisas como quem olha o tudo e o nada ao mesmo tempo.

Eu passava a mão levemente por seu corpo... Já tiveram um passarinho nas mãos? Pois saibam que é um corpo incrivelmente delicado, frágil e belo. E quando você o tem nas mãos, é como se segurasse uma parte do céu.

Só que, naquele momento, era um céu de um crepúsculo muito triste. Mas feio não... Nunca poderia dizer feio.

Eu não conseguia tirar os olhos daquela pequena criaturazinha...

Crianças que éramos, não sabíamos mais o que fazer.

Uma hora, ele fechou os olhos e não abriu mais. A respiração discreta parou. O bico ficou mole, abriu levemente.

Tinha acabado.

Mas eu ainda fiquei segurando o passarinho anoitecido. Estava surpresa com todo aquele processo. Pela vida que, literalmente, escapou entre os meus dedos. Eu nunca tinha visto nada daquilo de perto. Eu não sabia que era daquele jeito, que a vida ia embora mesmo.

E quando enterrei-o, e ele ficou lá, inerte, deixando que a terra cobrisse seu rosto, suas asas...

E quando ele ficou totalmente coberto, foi como se ele não estivesse ali, não fosse pela cruz que nós fizemos com madeira e elástico. E pela roda de crianças silenciosas.

Nunca mais esqueci daquele dia. Nunca mais gostei de gatos.

Alessandra Martins
Enviado por Alessandra Martins em 22/10/2006
Reeditado em 01/12/2006
Código do texto: T270377
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