Férias...

Quando o texto não flui você apaga e começa novamente.

Sem dó nem piedade. Escrever para mim é uma necessidade física, mental, psicológica. Escrevo para não enlouquecer a mim e aos outros. Vou tentar contar uma história rápida para não tomar o tempo de ninguém. Claro que podemos ambientá-la em Curitiba. Afinal, foi ali que se passou. Mas ela também poderia ter ocorrido em Nova York, São Paulo, Santiago, Montevidéu ou até mesmo em Paris ou Berlim. Aliás, tinha resolvido tirar umas férias daquele pasquim indecente em que eu trabalhava.

Eu estava andando pelo centro da cidade para pagar umas contas. O famoso serviço de banco. Eu tinha ido até uma editora receber um cheque por uma matéria que eu tinha escrito. A recepcionista a principio me tratou como um vira latas que acabou de entrar em sua sala. O tratamento só ficou respeitoso e cordial no momento em que ela soube quem eu era:

- Então você é o João Mendes? Bem diferente de como eu imaginava. Ela me disse.

-E o que você imaginava? Eu quis saber.

-Você é bem mais jovem. Achei que era um senhor de sessenta anos pelo jeito que escreve. Sua voz é rouca e macia. Você é educado. Imaginei um velho tarado. Ela riu.

Apenas meneei a cabeça e perguntei sobre meu cheque. Ela me deu um envelope com a logomarca da editora. Agradeci e cai fora daquele lugar. Abri o envelope e escorreguei o cheque para o bolso traseiro da minha calça jeans desbotada e já rasgando na perna direita. 700 pratas por um texto e algumas fotos malucas. Nada mal. Nenhuma fortuna, mas dava para o começo. Lá estava eu a caminho do banco. Contas. Merda. A gente vive, trabalha, escreve, estuda, se fode só prá pagar contas. O filho da puta que inventou esse sistema brutal sabia exatamente o que estava fazendo para manter você bem acuado. Um mendigo bêbado passou por mim e pediu alguma coisa. Fiz que não era comigo. Vi que ele ficou puto. Com essa gente você tem que ser mais louco que eles. Não adianta ajudar. Se você ajuda, eles marcam sua fisionomia e não pode mais passar por aquele lugar porque eles sempre irão pedir e implorar por mais e mais. Um trocado no dia seguinte vira uma nota e da outra vez eles vão pedir cinco ou dez pratas. Um cigarro pode virar uma carteira no seguinte e um sanduíche de mortadela pode virar uma refeição completa com direito a café e sobremesa. Com o tempo você aprende o mecanismo e fica esperto. Ainda mais nos dias de hoje. Na era do crack. Essa droguinha miserável subverteu a malandragem e colaborou o inflacionamento diário de miséria humana. Cansei de ver os filhotes da burguesia experimentarem esse barato e em três ou quatro meses caírem na sarjeta e ficarem por lá. Esses imbecis não são ladrões, bandidos ou assaltantes. São apenas viciados terminais. E é aí que mora o perigo. O ladrão quer apenas seu dinheiro, suas jóias, seu relógio ou seu carro. Os profissionais apenas te mostram a arma e lhe dão as instruções para você continuar vivo e com sua integridade física preservada. Já os viciados não sabem roubar e quando tentam são violentos e intempestivos. Podem te machucar seriamente ou até te matar sem pestanejar. Cheguei ao banco e me dirigi aos caixas. Eu tinha meu cartão e iria depositar o cheque. Prevenido vale por dois. A fila estava gigante, mas eu não tinha escolha. Os atendentes dos caixas faziam cara de inteligente e sorriam forçosamente. Um velhote parou atrás de mim. Bufando como um touro bravo. Deveria estar na casa dos setenta, porém ainda se conservava forte e tinha cabelo. Estava vestido como todos eles, com calça de tergal e tênis de corrida. Não parava de bufar e fazer barulhos horrendos com a boca. Olhei acintosamente na sua cara por trás de meus óculos escuros que eu me recusava a tirar. Para mim óculos escuros e aparelhos de mp3 são os melhores anteparos contra a humanidade. O velho então começou a reclamar da demora da fila e do atendimento. Olhei para um canto do banco e vi a caixa preferencial vazia. Eu, aos 44 anos não iria tentar dar o golpe. Então o que esse coroa estava reclamando, porra! O seu caixa estava VAZIO e ele não parava de falar merda e praguejar. Cutucou-me a ponta de seu dedo ossudo:

-Essa fila anda ou não anda? Já estou aqui a não sei quantos minutos e essa gente não sai do lugar! Isso é um absurdo! Eu tenho compromisso!

-Desculpe senhor. Mas seu caixa preferencial é logo ali e está vazio. Eu avisei.

O velho então surtou:

-Você está me chamando de velho! Você me chamou de velho, rapaz?

-Não senhor – esclareci – apenas lhe disse que seu caixa preferencial é logo ali e está completamente vazio.

Nessa altura o velhote ficou complemente louco e se afastou para onde eu tinha indicado insultando e batendo os pés. De longe eu percebi que ele espinafrava a funcionária que o atendia e que ela fazia um semblante calmo e profissional que o irritava ainda mais. Porra, de que esgoto aparece esse tipo de criatura? Será que eles não têm nada melhor que fazer além de ir ao banco para reclamar? Eu acho que mina de carvão para esses tipos seria um bom começo. Finalmente chegou a minha vez e eu fiz minha operação. Paguei as contas e pedi para depositar o cheque na minha conta corrente. A moçinha que me atendeu essa simpática e tinha covinhas no rosto quando sorria. Adoro gatinhas de óculos. Talvez seja uma tara. Nem quero saber o por que. Agradeci e fui até um auto atendimento para sacar uma grana. Deu tudo certo.

Decidi que onze horas ainda era cedo para voltar para casa. Acendi um cigarro e fui caminhando devagar até um bar que eu conhecia naquele centro fétido da cidade. Óbvio que peguei o calçadão para caminhar. Todos os tipos estranhos que você possa imaginar cruzam esse lugar todos os dias. Vinte e quatro horas por dia. Os artistas de rua que nada criam só copiam, as famílias suburbanas com seus pacotes das Lojas Americanas e da Casa China, os aposentados chatos falando de política e futebol, os alcagüetes espreitando, os pequenos passadores fazendo seus negócios escusos, os trambiqueiros de plantão vendendo as Cataratas do Iguaçu ou a Torre da Embratel para paranaenses, os estudantes gazeando aula para fumar um baseadinho discreto ou para paquerar as minas das outras escolas, os pedintes de sempre, os andarilhos com seus cobertores nas costas, alguns engravatados passando correndo pela cidade e pela vida, as putas começando a fazer seu trottoir , alguns desocupados passeando seus cães pelo calçadão, os jornaleiros fazendo seus pregões e anunciado um banho de sangue na Tribuna, alguns punks parecendo uma obra de arte de vanguarda vendendo fanzines toscos de protestos e panfletos com poesia urbana de qualidade duvidosa, um cara hippie fingindo que esse mundo é uma jóia com seu violão surrado nas costas, as cocotas deslumbradas em seus figurinos estonteantes, os manos da periferia com sua pastinhas de office boys, os veados e lésbicas por todos os lados só ou acompanhados. Isso era todo dia e a qualquer hora. Podem acreditar. Curitiba é província só que se enche de ares de capital. Pode crer. Consegui chegar ao bar numa boa depois de passar por toda essa fauna exótica. O cara do balcão já me conhecia e me saudou. Pedi cachorro quente com molho e verde e um chope preto tirado na hora. Um garçom me serviu e fiquei ali comendo e biritando com calma.

Notei uma loura sentada numa mesa aos fundos do boteco. Ela me olhava com o rabo de olho. Percebi na hora que ela me encarava daquele jeito que eu gosto. Não tirei meus óculos escuros. Meu número a garota. Devia ter uns vinte de poucos anos. Cabelos descoloridos, olhos castanhos esverdeados, um pouquinha acima do peso, mas nada que comprometesse a firmeza de seus peitos, usava óculos de gatinha e estava vestida com uma calça jeans justa que parecia que a qualquer momento poderia estourar as costuras. Maravilha de visão. Terminei minha comida e com o caneco na mão me dirigi até onde ela estava.

Comecei com aquele papo furado de “posso sentar” e logo lhe perguntei que ela gostaria de beber alguma coisa. Aceitou igual ao meu. Sorria o tempo todo. Parecia uma boa menina. Perguntou meu nome e disse que o dela era Sandrinha e que eu poderia chamá-la assim também. Disse-me ter vinte e três anos e ficou estarrecida quando eu lhe disse minha idade:

- Mas não parece! Ela exclamou. Imaginei que fosse menos de trinta!

Agradeci e continuei investindo naquela conversa. Perguntou-me o que eu fazia da vida e lhe contei. Achou legal minha profissão e contou-me que estava terminando a faculdade de nutricionista. Eu ria e ela continuava com aquele sorriso perpetuo em seu rosto cheiinho que abria maravilhosas covinhas quando ela sorria. Aquele sorriso maluco estava me deixando excitado e comuniquei isso a ela. Ela corou e mesmo assim não parou de sorrir. Perguntou se eu era casado. Claro que não. Sei lá por quanto tempo ficamos conversando e acabei convidando a moça para conhecer meu apartamento. Ela apenas perguntou se era longe e eu disse que não e que também poderíamos tomar um táxi até lá. Pedimos mais uma rodada de chope, paguei e fomos de mãos dadas até a parada. Embarcamos no primeiro carro e eu dei o endereço ao chofer. Em dez minutos ela tinha adentrado em meus domínios. Ainda no táxi tínhamos nos beijado. Sua língua era úmida e ávida e se enroscava na minha como cobra. Ela respirava pesado e suspirava. Ela encostava aqueles peitões maravilhosos contra minha caixa torácica e me abraçava pelo pescoço. Eu segurava seus cabelos e retribui o beijo. Era boa de beijo e dava prá sentir que era excelente na cama. Caiu do céu outra bela garota. Ao chegar a minha casa preparei uma boa dose de vodca para mim e apanhei uma lata de cerveja bem gelada para ela. Minhas férias estavam começando naquele momento seriam maravilhosas. Tive essa certeza quando ouvi Sandrinha abrir o chuveiro do meu banheiro. Aquele mês de ócio prometia. Ah, se prometia....

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Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 10/01/2011
Código do texto: T2720773
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