O homem, esse desconhecido.

Olegário acordou no meio da noite com uma dor horrível. Transpirava de um tanto que o pijama estava todo molhado, colado ao corpo. Que horas serão – pensou – será que é noite alta ainda ou já é quase de manhã? Não sabia por que se fazia essa pergunta mais besta, que não resolvia nada, não amenizava em nada aquela dor insuportável. Sei lá, a cabeça da gente pensa cada coisa; coisa que não tem nada a ver. Pensar não dói, disse para si mesmo.

Pronto, aquele ‘pensar não dói’ foi o mote para a dor doer mais fundo do que nunca. Nunca, nunca mesmo, tinha sentido nada parecido, uma dor tão grande, dessas que a gente sente que está sendo sugado para a morte. Olegário estava assustado e ficou mais assustado ainda ao pensar na morte e não sentir nenhum repúdio por ela. Pelo contrário, naquele instante a idéia da morte era quase agradável, continha uma espécie de componente de libertação da dor.

Na escuridão do quarto, Olegário esticou a mão na direção de Laura como se quisesse confirmar a presença dela na cama.

Não, não iria acordá-la. Iria se virar sozinho com a dor. A dor ia passar, tinha que passar.

- Se eu ficar bem quietinho passa, disse para si mesmo.

- Passa coisa nenhuma – falou mais alto uma voz dentro dele – isso é um condicionamento que você carrega desde a infância. Fica quietinho e dorme que passa! A sua mãe dizia isso, não é? E até hoje você continua acreditando nessa mentira?

Olegário foi descendo a mão esquerda pela barriga, por dentro do pijama e apertando forte com a ponta dos dedos. Á medida que ele apertava, era como se a dor se concentrasse mais e ao mesmo tempo se irradiasse para um espaço maior.

- Se eu tivesse que explicar isso ao médico – raciocinou Olegário – faria uma comparação assim: é como se a dor fosse uma grande bolha de água numa superfície lisa em que as bolhas menores vão se incorporando à grande, numa espécie de processo cumulativo.

- O nome disso é coalescência, Olegário, esse processo de aglutinação se chama coalescência. Você quer ajudar o médico a identificar a origem da dor ou apenas impressioná-lo com a sua pretensa erudição – advertiu-lhe sua voz interior num paternal sermão.

Só que a dor não diminuía. Doía, doía muito pior que cólica.

- Será que foi alguma coisa que eu comi e me fez mal? Ou pode ser um tumor...

- Claro, idiota – a voz dentro dele retomou a palavra – pode ser qualquer coisa, uma virose de alguma bactéria fatal, por exemplo. Que tal um câncer de intestino, hein?

- E um pólipo? Uma hérnia de hiato? Não pode também? Uma coisa, digamos menos grave e definitiva do que um câncer, não? – argumentou Olegário com sua voz interior.

Nisso Laura acordou:

- Perdeu o sono, querido?

- Não queira saber a dor que eu estou sentindo, meu bem. Acordei com a dor, todo suado...

- Puxa vida, Olegário. Seu pijama está encharcado; você vai entrar agora mesmo no chuveiro e depois vestir um pijama seco.

Olegário obedeceu com dificuldade, meio encolhido por causa da dor.

Enquanto ele se enxugava, Laura trouxe-lhe o remédio: umas gotas num copo d’água.

- O que é isso – quis saber Olegário.

- Pode tomar que você volta a dormir feito um anjinho, vai por mim.

E, de fato, um punhado de minutos depois Olegário dormia profundamente.

Haviam terminado o café da manhã quando Olegário perguntou:

- Escuta, Laurinha, ontem à noite eu pensei que fosse morrer de dor; o que foi que você me deu para tomar que foi tiro e queda?

- Ah! Nada demais, foi só um remedinho para gases, querido. Você já está bonzinho agora, não está?

Aquilo caiu na cabeça do Olegário como uma pedra e ele disse de si para consigo: O quê? Remedinho para gases? Que coisa mais ridícula! Uma dor daquela dimensão, uma dor enorme, assustadora. Diria mesmo que uma dor épica, etereofônica, em cinemascope, digna de um Cecil B. Demille. Eu achando que não estaria vivo pela manhã e tudo se dissipa com um prosaico remedinho para gases? Não acredito! Como é que a Laura faz isso comigo?

Olegário não conseguiu esconder seu desapontamento, seu grande desapontamento.

Laura não entendeu nada. Só achou estranha, muito estranha a cara de decepção do marido. Pela cara dele podia-se dizer que a decepção da manhã era até maior que a dor da noite.

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 20/01/2011
Reeditado em 02/08/2011
Código do texto: T2740555
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