Infância Pé na Bunda e Tapa na Cara.
Encontrei o Fabiano hoje no Fórum. Ele não tinha mais os dentes da frente. É da minha idade, uns trinta e poucos anos, e mais parecia ter uns quarenta e tanto.
Fui indicado para defendê-lo.
Éramos jogadores de futebol na infância, amadores, obviamente, mas nos intitulávamos assim, os melhores. Corríamos muito, cada qual em sua posição; ele, ponta esquerda, eu na direita. Sempre goleada. Éramos bons, mas a cidade, a família, a sociedade, a condição financeira, o tempo e outros contratempos nos distanciaram.
Apenas hoje, e talvez somente hoje, uns vinte anos depois, o destino nos unira novamente; eu, advogado; ele, réu.
Mesmo algemado nos pés e mãos esboçou um sorriso infantil ao me ver.
Queria eu mostrar profissionalismo diante os serventuários do sistema, mantendo-me austero, mas não consegui e esbocei também um singelo sorriso amarelo entre os dentes, recordando imediatamente fatos da infância que haviam se evaporado de minha memória. A impressão que tive foi que na infância éramos plantas sequiosas pelo sol e agora éramos pedras gélidas no fundo de uma caverna da Islândia.
Fabiano, logo na adolescência sem expectativas, se viciara em drogas, mais especificamente o demônio em forma de pedra, o crack. Estava um lixo, depois de doze anos de consumo. Perdera tudo, principalmente os dentes e a dignidade, mesmo assim abriu seu sorriso vazio quando me viu.
Confesso que tive vontade de tirar aquele sujeito dali à força e encaminhá-lo de volta para sua infância, para se recuperar, mas recobrei-me a tempo, momento em que o oficial me chamou a atenção para a audiência a seguir.
Era a segunda “passagem” de Fabiano, reincidência específica, e não havia muito o que fazer: sem emprego, sem família, mulher, casa, uma vida fodida pelo vício que o levou ao tráfico.
Triste, obstado e sem defesa, pedi um último suspiro, que dessem a Fabiano a chance de cunho humanístico de beijar seu filho de dois anos que esperava lá fora, junto com sua avó materna, uma vez que sua mãe havia morrido de overdose...
O Juiz, sem alternativas depois da condenação, consentiu...
Arrepiei-me e fui-me embora..., muito triste..., querendo encher a cara, dormir e esquecer que existo...
O sol torrava até piolhos...
Savok Onaitsirk, 25.01.11.