A Caminhada

Era tarde, e na eminência da noite mostrei-me pensativo... sim, eu me lembro, o sol ainda se mostrava presente, até que seu ultimo suspiro, um ultimo e simplório brilho de tonalidades inesquecíveis, se fosse...

Entediava-me naquela solidão, que apesar de estar acompanhado por outras pessoas, sentia-me talvez iludido em dizer que não estava só. Talvez fosse sonho, pois surgiam à minha frente imagens de meu passado... imagens que marcaram minha vida.

Meus pés sentiam-se cansados e insistentes em resistirem aos impactos sucessivos da árdua caminhada. Meus braços moviam-se em ritmadas freqüências, qual o pêndulo do antigo relógio de parede da casa de minha avó. Com o olhar curioso observava os mínimos detalhes da paisagem. A cada rua transversal que transpunha em meu caminho deixando para trás um e mais um quarteirão seguidamente sentia um leve sabor de conquista, que não podia compartilhar com terceiros, coadjuvantes da minha solitária caminhada.

Por sobre as calçadas, costumeiros espectadores dos fins de tarde observavam minha ingênua passagem...

Emergi daquela sensação incessante de solidão quando os ventos em sua leveza trouxeram a mim um sussurro, uma voz...

Era ela... Meu olhar, pouco rasteiro, envergonhou-se em apreciar o seu semblante, qual brilho respondia as tonalidades celestes como se fosse divina, protegida por Deus. Seus cabelos Castanhos, seus olhos, me fizeram mais uma vez retornar ao momento em que a vi pela primeira vez: Estava linda, bem como nos dias posteriores; Seu olhar profundo e direto não me deixava suspeitar de sua personalidade forte; Seus cabelos reagiam perfeitamente às condições naturais, soltos; Deus não fora justo, deixara pra ela maior parte da beleza.

O meu olhar curioso e ao mesmo tempo confuso por não saber se continuava a observa a paisagem ao longo do caminho ou se começava a descrever os coadjuvantes de minha solidão... Não pude conter-me em descrevê-los, precisava saber se eu realmente os conhecia...

Apreciei um sutil alivio que eu tragava dos ventos. O sabor de indecisão pairava pelo meu ser... Meu olhar introspectivo me fazia confuso, mas ao mesmo tempo realizado em saber que minha indecisão desaparecia...

Olhei cautelosamente ao meu lado, deixe-me levar pela sensação de reconhecê-la... Sucumbi à leveza dos ventos...

Retornei à minha consciência, mas aquela sensação que sentia havia dissipado, vi luzes incandescerem à minha volta... Tentei me encontrar, mas eu não estava ali... Estaria morto? Entorpeci a minha própria presença? As luzes diminuíram sua intensidade e me fizeram ressurgir em uma sala: as carteiras bem organizadas em fileiras; as paredes já desgastadas pela ação corrosiva do tempo; o ar refrigerado que circundava àquele ambiente deixava-me flutuar por toda sala com enorme leveza...

Percebi que havia alguém ao meu lado, sentava na carteira próximo a parede, era a penúltima da fila... Flutuei ao seu encontro... Percebi que seu olhar transpassava meu corpo misteriosamente... A necessidade de tocar-lhe o rosto me deixava ansioso, queria poder sentir somente uma vez a leveza de sua pele, no entanto, minhas mãos ao se aproximarem de seu corpo, desintegravam-se... Eu não sentia dor alguma, apenas não podia tocá-la... Chamei por ela em vão, pois minha voz não fora suficiente para que sua atenção se voltasse a mim... Afastei-me. Em mesmo momento senti um pesar em minha voz, posteriormente uma tristeza em saber que estava novamente só...

Pessoas que eu conhecia surgiam sentadas às carteiras, retraí-me desconcertado ao canto da sala... Ressurgia a mim, a velha sala de aula. Estavam todos às suas carteiras, inertes, qual manequins estrategicamente posicionados... A farda escolar que usavam, mantinha perfeita brancura, apresentava-se seminova... No quadro branco, nada escrito... Pois não havia aula, não havia professor, apenas os corpos estáticos dos alunos... Ergui-me do canto da sala e caminhei entre eles, olhava a cada fisionomia, relembrava-me dos acontecimentos... Tudo passado...

Voltei a ela, insisti novamente em tocar-lhe o rosto, em vão... Um flash fez-me cego temporariamente, mas suficiente para que não percebesse seu corpo em declive, atingiria o solo dali a instantes... Posicionei meus braços para impedir que essa ação natural fizesse-a sucumbir... Em vão... Seu corpo transpassou pelos meus braços... Uma forte luz ascendia...

Senti meus braços moverem em ritmadas freqüências, qual minhas pernas em passos lentos e harmônicos... Senti meus pés fadigados pelos impactos constantes. E os ventos em freqüentes sussurros me umedeceram o rosto... No chão, gotas caiam de quando em quando e depois cessaram, como chuvinha rápida que antecederia a escuridão daquela noite...

Caminhei em ritmo desacelerado, observava a paisagem a detalhes... Parei... Uma bela casa: o portão de entrada tonalizava em preto, poucos metros de extensão que depois fora continuado pelo muro de tijolos de alguns metros de altura que por sobre ele flores vermelhas se faziam fugitivas do imenso quintal atrás do muro, e elas, curiosas, se faziam testemunhas dos acontecimentos ao longo da rua...

As cenas passavam à minha como se fossem tiras de um filme que transcorria em pleno ar... As flores vermelhas trouxeram a mim lembranças:

Vestia uniforme escolar: um calção que pouco alcançava meus joelhos de tonalidade azul celeste; uma blusa, em cor azul claro, qual se percebia facilmente o emblema da escola.

Mantinha-me obediente a qualquer comando de minha mãe, que naquele momento se fazia boa fotógrafa. Mostrei-me em olhar penetrante... Os ventos eram rebatidos às flores que constantemente mostravam-se curiosas, pois nunca se fizeram de cenário para fotografias... Mantive-me estático até o flash... Retornei à casa de flores vermelhas...

E parado ouvi sussurrar os ventos que insistentes permitiram minha entrada na casa acompanhado de coadjuvantes personagens que me seguiram naquela caminhada...

Da entrada segui o corredor, qual seu fim mostrava-se desconhecido... A textura nas paredes se dava como mais importante comentário daquele silencio inconstante...

A cada passo que me fazia possível naquele ambiente simpático, ascendia mais e mais a intensidade de um forte clarão no final do corredor... A distancia que me separava daquela luz forte diminuía a cada momento de minha caminhada... Senti-me quase febril ao calor que emanava da forte luz que consumava-me os contornos de meu corpo e continuava até me que me consumisse todo....

Eu já não estava ali, apenas o clarão...

Solucei... Talvez minha caneta já não pudesse mais retornar ao papel... tampei-a cautelosamente... Respirei intensamente... Retornei... Espreitava aquela madrugada apenas com as minhas lembranças de um ultimo sábado...

Sousandrade
Enviado por Sousandrade em 27/10/2006
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