A Fruta e a Surra

Isaura, sete anos, era uma menina pobre, muito pobre, que adorava comer frutas. Mas frutas, só as de pé, dos fundos de quintal, porque sua família não tinha dinheiro para comprar frutas, nem mesmo bananas. Seu pai era carpinteiro que vivia de biscates, sua mãe costurava para fora, imigrantes nordestinos, evangélicos, de formação moral rígida. Moravam em Bangu, era uma casa alugada de telhado de zinco e chão de cimento, que nem geladeira tinha e a pia era uma bacia de água.

A maior expectativa de Isaura era o domingo, quando , na maioria das vezes, ia passar o dia e almoçar na casa dos tios, uma pequena chácara em Jacarepaguá. Os tios eram pobres, mas não tão pobres. Lá tinha geladeira, colocada no canto da sala, com um pingüim de louça em cima e, principalmente - aos olhos de Isaura - uma bandeja de frutas, também em cima da geladeira. E todos os dias que ia lá, Isaura botava mesmo olho comprido em cima das peras e maçãs que via na bandeja. Sua tia, sem graça mas solícita, oferecia uma fruta, que Isaura aceitava prontamente e devorava avidamente. A cena se repetia sempre, nos domingos que a família de Isaura visitava seus parentes nem tão pobres.

Certa vez, num domingo de manhã cedo, enquanto a família se arrumava para ir à casa desses parentes, a mãe de Isaura, sem explicar nada de início, deu-lhe uma surra sem dó. Depois de apanhar muito, a menina Isaura, desnorteada e chorosa, ouviu da mãe: “Isto é para você aprender a nunca mais ficar de olho grande nas frutas da casa da sua tia.”

E daí em diante, a menina Isaura, todos os domingos que ia à casa da tia, ficava olhando só de soslaio a bandeja de frutas em cima da geladeira.

(2003)