Mariléia

Pura como mãe, linda como amada. Esta seria a definição rápida de Mariléia. Embarcou no ônibus quando ainda estava escuro. A viagem seria longa até a Capital. No embarque, pediu a benção para seus pais, que a levaram até o terminal rodoviário.

Seu pai, homem do interior, não via com bons olhos a filhinha estudando na capital; porém, sua mulher o convenceu com apenas uma frase: Quer que ela seja burra igual a você?

-Burro, mas honesto, ele retrucou.

Poltrona número vinte e cinco, disse o motorista quando ela entregou a passagem. A poltrona do seu lado estava vazia. Na da frente, um gaúcho a viu passar no corredor do ônibus e não disfarçou seu olhar de interesse. Também pudera! Mariléia tinha cara de menina moça. Com vinte anos, parecia ter quinze. Pelo seu andar, jeito e comportamento, qualquer homem experiente diria que era virgem com certeza. Vestia-se sobriamente, blusa fechada no pescoço e uma saia na altura do joelho. Seus cabelos negros eram soltos com um brilho natural, cobiçado por muitas mulheres que não saem do salão de beleza. Seu sorriso de menina era um imã para quem olhasse.

O gaúcho babou os bigodes. Na primeira parada tentou conversar com ela.

Neste ínterim, ele pensou em várias maneiras, optou pela primeira que lembrou, manjada, mas funcional, e também porque achava que Mariléia não tinha nenhuma experiência.

-Quinze minutos para o café, gritou o motorista, assim que parou o ônibus numa lanchonete.

O gaúcho bombachudo não perdeu tempo e, ao lado dela no balcão, perguntou:

-Estás indo para a capital, guria?

Ela sorriu e com um gesto de afirmativo com a cabeça respondeu.

-Vais a trabalho ou a passeio?

-Estudo lá.

-Maravilha, tchê!

Ela respondia secamente e o gaúcho já estava ficando impaciente; porém como gaúcho não chupa mel e come a abelha para não perder tempo, ajeitou a ridícula gravata borboleta vermelha, da cor do seu time, o Internacional, e perguntou:

-Mas me digas, o que estudas?

-Línguas.

O gaúcho calou, rodou nas botas e foi direto para o seu lugar no ônibus.

Descendo a serra, começou a esquentar. O gaúcho retirou o pala e Mariléia tentou abrir a janela do ônibus e não conseguiu.

O gaúcho fez de conta que estava dormindo, quando ela lhe bateu no ombro para solicitar ajuda, já que sua posição e força abririam facilmente a janela.

Ele, com os olhos fechados, pensava: Línguas? Que estrupício será este?

Mariléia vê mais à frente uma poltrona vazia com a janela aberta e resolveu mudar de lugar, mesmo a poltrona do lado da janela estando ocupada por um jovem que dormia.

Preferiu sentar do lado do corredor, porque também não estava batendo sol.

Na poltrona vinte e três, o gaúcho não tirava os olhos dela.

O jovem dormia a sono solto, roncava e assoviava a cada movimento de expiração e inspiração.

Mariléia acha graça e ri sozinha.

De repente, o gaúcho se levanta de supetão, como tivesse sido escoiceado por um cavalo xucro, e vai na direção de Mariléia.

O motorista, que tinha mais horas de volante do que constava na carteira, pelo retrovisor interno ficou em alerta.

-O que é que há contigo, guria? Me disseste que estudas língua, e agora estás rindo de mim?

Gaúcho macho fala grosso e alto. Não foi preciso repetir para que o moço acordasse assustado.

-Que há o que, caudilho velho?

De caudilho não tinha problema o moço lhe chamar; velho, porém...

Um murro passa pela frente do nariz de Mariléia e se aloja nas duas narinas do jovem.

Perderam mais de uma hora no posto policial. O gaúcho foi preso em flagrante e o jovem foi para o pronto socorro tratar o nariz.

O motorista convida Mariléia para sentar-se na poltrona número um, ao seu lado. Ele não mais controla pelo retrovisor os passageiros. Agora seu olhar é dirigido uma vez para a estrada e duas vezes para Mariléia.

Numa dessas duas vezes, perdeu o controle do coletivo e caiu numa vala à beira da estrada. O ônibus atolou e outro teve que vir buscá-los.

O motorista, entre bravo e envergonhado, ficou cuidando do veículo, enquanto Mariléia e os demais passageiros embarcavam.

Continua a viagem. Chegam com um atraso de mais de duas horas.

No restaurante, duas freiras almoçavam no momento que Mariléia entrou.

-Que moça linda! Que sorriso, disse uma delas.

-E que olhar inocente, disse a outra.

O garçom já começara a servi-la, quando um grito abafado se ouviu.

A freira que havia elogiado o seu olhar, tinha caído estatelada no chão. O dono do restaurante que estava no caixa, correu nervoso para levantá-la.

O garçom comentou com a Mariléia:

-Estas cadeiras de plástico não são para pessoas gordas.

Mariléia, com ar de compaixão, indaga:

-Será que ela se machucou?

Máriléia paga a conta a um outro garçom e, curiosa, pergunta pelo primeiro. O segundo gentilmente disse que o primeiro foi demitido porque não foi ajudar a freira que caiu da cadeira. Querendo alongar a conversa, pergunta se ela era da capital, tendo como resposta uma negação com a cabeça. Ela se levanta e o segundo garçom está feito um dois de espadas ao lado da porta para abri-la. Agradece com um sorriso e começa a descer as escadas para o estacionamento. No último degrau escuta um barulho e rapidamente deduz que outra cadeira tinha quebrado. Não era. O segundo garçom havia tropeçado, tendo nas mãos uma bandeja cheia.

Um carro a espera no estacionamento. Uma senhora de cabelos vermelhos lhe sorri amigavelmente.

-Olá, Mariléia, já estamos atrasadas. Ainda bem que o seu freguês das duas não veio, porque morreu do coração ontem.

-Nossa! Ainda bem que ele me deu as jóias, pagou o meu apartamento e minha conta do dentista, na semana passada!