Coisas da Vida XVI.

Alguns rapazes suspeitos bebem cerveja, sentados nas cadeiras do outro lado da rua, ouvindo Tião Carreiro & Pardinho... Estão aparentemente felizes, sem camiseta, e um deles usa uns óculos de sol com lentes de reflexo vermelhas. É magro, fala e ri mais que os demais...

Um caminhoneiro vira a esquina com seu 1113 azul, carroceria abarrotada de milho-verde, causando furor com sua turbina; provavelmente ele também esteja turbinado, tamanha velocidade com que avançou ao sinal de pare.

Alguém para seu carro no bar de frente e liga o som para que todos ouçam, numa altura ensurdecedora; senta com sua mulher, ambos calados, obviamente, olhando pra rua e ouvindo um lixo musical não identificado, fazendo com que todos se calem para ouvir seu som potente... Provavelmente é um pulha.

O churrasqueiro assa sua carne na esquina. É o dono do bar; a fumaça e o cheiro de carne queimada toma conta do ambiente, remontando-se a tempos negros, onde se queimava gente em praça pública. Por um momento estavam todos animalizados, rasgando lascas de carne e bebendo feito bárbaros doutras eras.

Duas mulheres numa bicicleta zanzam olhando para os lados. São mulheres casadas cogitando soltar as asas.

Longe surgem dois rapazes; um pede algo ao outro, e esse outro enfia a mão no bolso e logo repassa ao um... Atitude estranha. Seria uma bala?

É sete da noite no horário de verão. Com o calor se amainando, vê-se que há um grande fluxo de pessoas deixando seus lares para a prática de algum lazer, seja passear de motocicleta, caminhar com o cachorro, beber cerveja e papear, paquerar e algumas outras atividades escusas.

A humanidade, livre de suas obrigações, busca a diversão, o lúdico e o torpor para suportar os dias vindouros. A humanidade não quer perder tempo...

Uma família come espetos e ri; pai, mãe e filha de uns dez anos. Recusam o algodão vendido por um jovem esquálido, de olhar triste e com olheiras salientes. Provavelmente passa fome, o pobre rapaz. Por essas bandas não se vende muito algodão doce, as pessoas preferem “cadáveres” e “álcool”, ao doce algodão do pobre rapaz, talvez um dos mais sofridos do momento presente. Ainda por cima, dando uma impressão de masoquismo, oferece-os ao grupo de jovens que bebe, ri e ouve Tião Carreiro, sendo motivo de chacota.

Tudo é tão suave numa tarde crepuscular, que os contos do entardecer de Shakespiere surgem com mais veracidade. O róseo do céu inunda a superfície, transformando tudo numa aura transcendental, onde os portais entre tempos e mundos são abertos, liberando a fantasia que existe no transmudar das coisas da vida...

Savok Onaitsirk, 15.02.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 15/02/2011
Reeditado em 22/02/2011
Código do texto: T2792982
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.