Rádio a pilha

Rádio a pilha

Observa, colado na vitrine, cada aparelho exposto. A grande loja anuncia promoção de som, televisão e ar condicionado. Assim que se resolve, entra e é atendido prontamente por um vendedor que há algum tempo já o observava.

-Bom dia senhor, deseja alguma coisa?

-Sim, quero comprar um rádio a pilha.

-Um rádio portátil, o senhor quer dizer?

-Não, rádio a pilha. Onde eu moro não tem luz.

-De que tamanho?

-Um tamanho que eu possa carregar.

O vendedor analisou rapidamente o cliente. Aparentava ser do interior e com poucas condições financeiras. Quanto ao tamanho, pelas marcas profundas do tempo presentes no rosto do homem a sua frente, não teria mesmo muitas opções. Mostraria um rádio barato e de tamanho pequeno.

-Olha meu senhor, este tem três faixas e acende a luz do dial.

-Pega rádio?

-Sim, claro! Respondeu o vendedor sintonizando uma estação.

-Quanto custa?

-Este está na promoção, é o melhor e mais barato. O Senhor vai pagar apenas quarenta e dois reais!

-Quarenta e dois “milhão”?

-Não, quarenta e dois reais! Repetiu o vendedor.

-Em quantas vezes?

-Este preço é a vista.

-E a prestação o senhor não vende?

-Vendemos sim.

-E quanto custa a prestação?

O vendedor pega uma maquininha que trás no bolso e faz as contas na frente do cliente. Ao acabar mostra o visor da maquina e diz aliviado:

-São três vezes este valor.

-Que valor? Pergunta o cliente sem entender.

-Três vezes de quinze reais, exatos. Sendo uma no ato!

-Que ato?

-No momento que o senhor comprar.

-Agora?

-Sim senhor, agora.

-Dá de fazer em mais vezes? Perguntou o cliente.

-Sim, em até dez vezes?

-E quanto custa?

-Um minutinho!

O vendedor tira novamente a maquininha do bolso. O cliente fica atento, esperando o resultado da operação.

-Pronto, são dez vezes de cinco reais e trinta centavos, uma prestação é agora.

-Então vou levar. Disse o cliente pegando o rádio que estava em cima do balcão.

-O senhor tem cadastro na loja?

-Não. Respondeu o cliente que no momento tentava ligar o radio.

-Então o senhor vai até o departamento de crédito que é ali no segundo andar.

Não pegou o elevador, subiu pelas escadas com o rádio na mão, sendo observado pelo vendedor que não sabia o que fazer.

Na sala enorme com várias mesas e atendentes, uma placa solicita “RETIRE O SEU NÚMERO”. O cliente senta-se ao lado e fica aguardando, entretido com o rádio que ainda não conseguira ligar.

As pessoas que chegavam, apertavam um botão e pegavam um papel com um número. Após atender todos que estavam presentes, chega um funcionário e lhe pergunta:

-O senhor não vai pegar um número?

-Não, estou esperando.

-O senhor ainda não foi atendido?

-Não.

-Por favor, venha comigo.

O funcionário o colocou sentado frente a uma mesa e chamou uma funcionária para atende-lo. Uma jovem chega sorrindo e lhe pergunta:

-O senhor veio fazer um cadastro?

-Não, vim comprar um rádio a pilha!

-A prazo?

-Não, a prestação!

-Então temos que fazer o seu “cadastrozinho”. Disse ela docemente.

-O senhor tem sua carteira de identidade?

-Tenho. Respondeu e ficou olhando para a moça.

-E a sua carteira senhor?

-Está junto com outros documentos lá em casa.

-O senhor não tem outro documento?

-Tenho.

-O senhor poderia me mostrar.

-Só se a senhora for lá em casa.

-Senhor, para fazer o seu cadastro eu preciso de seus documentos. Disse a atendente já meio irritada.

-Moça, eu não quero fazer cadastro, o que quero é comprar um rádio à pilha! Respondeu calmamente o cliente.

-Por favor, o senhor aguarde um momento.

A funcionária sai e o deixa observando o luminoso vermelho que muda os números de vez em quando.

Retorna a funcionária com um senhor bem vestido que o cumprimenta:

-Bom dia senhor, eu sou o gerente da loja, em que posso ajudá-lo?

-Não sei, o que eu quero é comprar um radio a pilha. Respondeu calmamente o cliente.

-Tudo bem senhor, mas é necessário que o senhor apresente um documento de identidade!

-Que documento?

-Qualquer um que comprove que o senhor é o senhor.

-Moço, eu sou Pedro e estou aqui vivo e presente para dizer quem eu sou.

-Tudo bem, mas eu não sei se o senhor é o Pedro que diz.

Pedro levanta-se, pega a mão do gerente apertando bem firme e lhe diz:

-Prazer senhor gerente, eu sou Pedro Etelvino Pires. Etelvino por parte de minha saudosa mãe e Pires por parte do desgraçado do meu pai. Portanto agora o senhor já sabe quem eu sou. E afinal quem é o senhor?

-Eu sou Rubens Albuquerque, o gerente da loja.

-Está bom Senhor Rubens, para mim basta. Não precisa mostrar documentos, eu acredito no senhor.

-Senhor Pedro, vou lhe explicar com calma. Para se vender a prazo é necessário ter um cadastro, e para fazer um cadastro é necessário ter os documentos em mãos para mostrar. Nesses documentos existem números que irão constar no cadastro.

-É só para mostrar?

-Sim, mostrar para nós Sr Pedro.

-Olha seu moço, eu acredito que o senhor é o Rubens. Porque o senhor não acredita que eu sou o Pedro? Isto é falta de educação!

-Então senhor Pedro, vamos fazer sua ficha de crédito? Perguntou-lhe o gerente sem se abalar.

Não tem problema, respondeu Pedro.

-O senhor trouxe algum documento?

-Qual?

-Carteira de Identidade, Carteira de Motorista ou Carteira do Ministério do Trabalho?

-Não Senhor, deixei tudo em casa guardado, tenho medo de perder.

-Então não vou poder lhe dar crédito, sinto muito.

-Eu não quero que o senhor me de crédito, o que eu quero é comprar um radio de pilha a prestação.

-Sr. Pedro, infelizmente não vou poder fazer o seu cadastro!

-Senhor Rubens, eu não quero fazer cadastro, o que eu quero é comprar um radio de pilha, será que ninguém me entende? Disse Pedro num tom mais alto.

O gerente virou as costas e saiu, Pedro continuou sentado vendo os números no painel vermelho passar. A moça que lhe atendera inicialmente, perguntou:

-Tudo resolvido senhor?

-Não, ainda não comprei o meu rádio, respondeu Pedro meio triste.

Trinta minutos depois, retorna o Gerente com outro Senhor ao seu lado que lhe cumprimenta sorridente.

-Bom dia Senhor, eu sou o diretor da loja. O Sr. Rubens me falou do seu problema com o cadastro.

-Não houve qualquer problema senhor, como é o seu nome?

-Melquíades.

Pedro se levanta e segura a mão do diretor.

-Prazer Melquíades, estes jovens as vezes não entendem a gente.

-Muito bem senhor Pedro, eu vou fazer o seu cadastro e sem os documentos.

-Seu nome completinho?

-Pedro Etelvino Pires.

-Nome do Pai?

-Arnoldo Leôncio Pires.

-Nome da Mãe?

-Maria Etelvino Pires.

-Data de nascimento?

-Da mãe?

-Não, do senhor Sr. Pedro.

-Eu nasci no dia 13 de agosto de 1918, oitenta e sete bem vividos.

-Estado civil?

-Agora solteiro.

-Viúvo o senhor quer dizer?

-Não, estou separado a mais de quinze anos e namoro há oito.

-Então o senhor é divorciado?

-Não, não sou.

-Casado então?

-Sou separado e estou namorando há oito anos. Não moro com ela, só durmo lá aos sábados e domingos. Disse Pedro sorrindo.

-O diretor chama a atendente e o gerente através do telefone, eles vêm rapidamente.

-Rubens, vá ao meu escritório e me traga um vidro de remédio que está na primeira gaveta.

-Você menina, me traga um copo com água, bem cheio.

Pedro só olhava a movimentação. O Diretor então se dirigindo a ele disse:

-Muito bem senhor Pedro, aonde o senhor mora?

-Nos dias de semana ou final de semana?

-Nos dias de semana. Repetiu o Diretor.

-Nas segundas eu durmo na casa de um biscate que se chama Leonir, este caso está fazendo dois anos. Nas terças tenho umas conhecidas que eu visito e sempre durmo lá. Nas quartas, as vezes, não é toda as quartas, eu danço no baile da terceira idade e quando arrumo alguma coisa, durmo na casa delas. O senhor está me compreendendo? Nas quintas, como hoje, eu venho para a cidade e se render, durmo por aqui mesmo.

O diretor suava frio, o gerente ria disfarçadamente enquanto ele continuava a narrativa da semana.

-Nas sextas, aproveito para dar uma descansada porque no final de semana eu vou namorar.

-Senhor Pedro, onde fica a sua casa?

-Ao lado da casa de minha namorada. O senhor quer ver uma foto dela?

-Da casa? Pergunta o diretor todo enrolado.

-Não, da Gigi.

-Não senhor Pedro, não precisa.

-Qual é a sua renda?

-Que renda?

-Senhor Pedro, quanto o senhor ganha?

-Olha Sr. Melquíades, eu não ganho e nunca ganhei nada na minha vida. O pouco que tenho foi com muito esforço que consegui. Disse Pedro com ar de orgulho.

-Senhor Pedro, o senhor está redondamente enganado, o senhor acaba de ganhar um presente meu.

-Obrigado senhor Melquíades, mas o que é?

-Um rádio portátil, aliás, um rádio de pilhas novinho, novinho!

-Até um dia, e muito obrigado Sr. Melquíades.

O resto da semana o diretor, gerente e atendentes não foram trabalhar.