REMINISCÊNCIAS

Meninos criados na cidade ficam deslumbrados com a colônia. Não é por acaso que entre as memórias de infância foram registradas com pitadas de nostalgia e felicidade as lembranças de minhas aventuras de férias que, marcadas por surpresas e deslumbramentos pueris, ainda hoje provocam reações de saudosismo. O mês de janeiro sempre era aguardado com expectativa. Vencido um ano escolar de muitas provas, leituras e trabalhos, a promessa que se anunciava era de sossego na fazenda de meu tio-avô.

Nas primeiras viagens, a família toda seguia junta e a aventura começava já nos preparativos, na alegria de adentrar no velho ônibus que nos levaria ao destino, um pequeno lugarejo na costa do Rio Uruguai. Sentar na poltrona da janela era a gloria. O espetáculo que se descortinava ao longo do caminho era motivo de muito barulho e conversas intermináveis. Lembranças deste tempo afloram carregadas de emoção, pois a mente busca no escondido da alma, em um esforço prazeroso, reviver cada momento, sentir de novo o cheiro da mata e da grama dos potreiros, o frescor das águas límpidas da sanga que contornava as terras daquele lugar fascinante.

Com o passar dos anos, a viagem tornou-se uma peripécia de proporções ascendentes, quando meus pais colocaram-me no ônibus, recomendando ao motorista que me despachasse na entrada do sítio de meu saudoso tio. Após uma aventura motorizada por estradas poeirentas, regada de muito suco e guloseimas, chegava finalmente ao destino e com a mochila pesadas nas costas, mas com a alma levitando de alegria, caminhava ainda um longo trecho, entre o estradão e a casa da colônia. Ainda da estrada avistava-se o casarão, mas ao longo do caminho uma curva aproximava o caminhante do riacho que deslizava afoito por entre pedras de vários tamanhos e formas. Diante deste cenário, minha primeira parada, para molhar os pés e o rosto e para relembrar de outras oportunidades que ali estivera em companhia da família, em momentos efusivos e de muita algazarra. Agora aquele paraíso seria só meu! Viveria cada instante como um presente especial, saboreando aos poucos e experimentando o gosto com emoção.

Os tios, já de idade avançada e morando sozinhos, alegraram se com minha presença. Logo no primeiro dia intentei ajudar na colheita do fumo, produzido na propriedade. As mãos sensíveis de criança logo reclamaram da viscosidade da planta, da aspereza das folhas e o cansaço sobrepujou a curiosidade. Assim, fui designado para tarefas mais leves, como alimentar o fogo introduzindo gravetos e lascas no grande fogão à lenha que imperava absoluto na cozinha. Algumas vezes me arriscava a ajudar no preparo de algum alimento, cortando legumes que eu mesmo colhia todas as manhãs na horta que ficava ao lado da casa.

Sempre depois do almoço uma sesta, fazia parte da rotina da família. Não dormia, ante a expectativa de um mergulho no riacho. Apenas ficava deitado, olhando para o teto e paredes de tábuas largas, esperando o momento em que seria liberado para me aventurar sozinho no riacho. Muitas foram as horas de alegria e contemplação, especialmente quanto cardumes de lambaris cruzavam desconfiados em direção ao imenso Rio Uruguai. Imaginava o percurso que estaria fazendo e invejava a liberdade daqueles peixinhos que sem preocupação alguma nadavam em um bailado sincronizado. Almejava, a semelhança deles, avançar sempre em frente, rumo aos lugares incógnitos. Infância com cheiro e sabor de colônia fica marcada para toda a vida.

Oséias Santos de Oliveira - Santa Rosa/RS

E-mail: oseiasol@yahoo.com.br

Conto publicado na obra: Terra, grãos e perspectivas, 2010, publicado pela ASES - Associação Santa-rosense de Escritores. pp. 06-08.

Oséias Santos de Oliveira
Enviado por Oséias Santos de Oliveira em 21/02/2011
Código do texto: T2805857
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