Vontade de saber.

Era lá pelos idos de 1967, contava então com dezesseis anos de idade, acabara de arranjar um trabalho em um consultório dentário, como atendente, na verdade, com o passar do tempo, fazia um pouco de tudo, só não podia ser a dentista, mas atendia telefones, recepcionava clientes, anotava nas fichas dentárias aonde necessitaria o reparo, é claro sempre obedecendo o comando dos doutores, sabia distinguir todos os dentes e suas posições na arcada, arrumava o material necessário para todos os tipos de trabalhos, cuidava da compra de materiais e até ajudava na limpeza e conservação dos equipamentos e do consultório, além de fazer o papel as vezes de office girl, lembro um dia que o doutor recebeu um cliente muito bem vestido, e, tinha um problema na ponte móvel dele, como tinha pressa, disse que viajaria no dia seguinte a tarde, o doutor atendeu com urgência e moldou e entregou a ponte móvel na manhã seguinte, conforme o combinado com o cliente, e o mesmo pagou com cheque, dissera que o recebera em pagamento e era o único que possuía, assim o valor era maior que o preço cobrado pelo doutor, o qual, voltou troco em dinheiro para o cliente. No dia seguinte o doutor pediu que eu fosse descontar o cheque no banco, pois, o mesmo estava ao portador e não era cruzado, assim quando apresentei o cheque ao caixa do banco, era o antigo Banco de São Paulo, que ficava no Largo do Café, no centro, o caixa pegou o cheque, pediu que eu esperasse um minuto e logo a seguir me encaminharam para dentro de uma saleta e começaram a interrogar-me: - Moça aonde você conseguiu este cheque? Eu disse, foi o meu patrão quem mandou descontar este cheque aqui. E quem é o seu patrão perguntaram eles? É um cirurgião-dentista que tem consultório logo ali, na Pça João Mendes, porquê? Então me dá o telefone do seu patrão pra eu confirmar essa história! Escrevi o número em um papel e eles pediram para eu ficar aguardando um instante. Passou-se um tempo e eles voltaram e falaram: Seu patrão está ao telefone e pede para falar com você. Fui para dentro da sala, atendi o telefone e meu patrão pediu para que eu retornasse, deixasse o cheque lá e que no consultório me explicaria tudo e ainda pediu para que eu o desculpasse por tudo. Chegando ao consultório, fiquei sabendo que o cheque era roubado e que eles tinham caído no "conto do cheque sem fundo", que além do trabalho meu patrão perdeu o dinheiro que voltara de troco e ainda que o cheque era de um funcionário daquele banco, que havia sido furtado o seu talão de cheques e que o indivíduo já havia aplicado este conto em outras lojas, na floricultura e até na Bomboniere Kopenhaggen, novamente meu patrão pediu desculpas por ter mandado eu ir até aquela agência, e pelo constrangimento que havia passado, tudo bem, não tinha importância, eles eram muito bons para mim, trabalhava para três dentistas e todos eram muito bons, até me incentivavam a voltar a estudar, havia parado no 4.ano primário e as vezes escrevia algumas palavras erradas, um dia lembro que fui escrever o nome de uma cliente e não acertava de jeito nenhum, ela chamava-se Zulmira, e nada de acertar na ortografia até que escrevera Sumira, ele riu muito e disse que era pra voltar a estudar, aonde já se viu tamanha moça e sem estudo, e dizia que eu até que aprendia tudo facilmente e até poderia um dia ser uma dentista, que era inteligente e não podia ficar sem terminar os estudos, bem, eu até que queria muito, de fato eu gostava muito de ler e tinha uma curiosidade muito grande para aprender tudo, mas, minha mãe dizia que mulher não precisava estudar, porque ía se casar mesmo e pra que estudar, bastava saber costurar, bordar , cozinhar e pronto! Mais, eu era danada de curiosa e também não queria para mim o mesmo destino da minha mãe, ela era costureira, mais eu, não gostava nada de costuras, eu queria era voltar a estudar, porém, nessa época minha mãe, além de costurar, ela ainda fazia faxinas em escritórios no prédio aonde a gente morava, pois, meu pai era Zelador de um prédio comercial, na esquina da rua da Glória, bem próximo à Pça João Mendes, e assim ela pegava os escritórios para limpar, e a noite levava-me pra ajudar na faxina, lembro que havia uma sala que a gente limpava, a qual eu adorava ir lá, só porque havia revistas para ler, e eu adorava ler a revista da Seleções do Reader's Digest, ah! quando entrava lá, já ia correndo em direção da tal publicação e assim minha mãe ficava o tempo todo reclamando que eu não ajudava nada e só queria saber de ficar lendo revistas, mais saibam: - foi assim que eu tomei mais gosto ainda pela leitura e quanto mais lia mais queria ler, quanto mais aprendia mais queria aprender, até que tomei a decisão de voltar aos estudos e comecei a recuperar o tempo perdido, matriculei num curso noturno de madureza ginasial, era assim que chamava antigamente, e aí vislumbrou o mundo, parecia que o horizonte havia descortinado todo para mim, tinha verdadeira paixão por todas as matérias e ainda contava com a ajuda de um dos doutores que incentivava e ainda fazia perguntas sobre as matérias para ajudar-me cada vez mais, ah! que bons tempos foram aqueles em que minha visão de tudo aumentava e me sentia imensamente feliz!... Eu tinha um professor de Geografia, que era apaixonado pela matéria, ele descrevia o surgimento do nosso planeta, como se fosse uma mulher grávida prestes à dar a luz, falava magistralmente detalhe por detalhe, ele também era discípulo de Tellard de Chardin, amava a geofísica e as descrições de pedras, e tipo de pedras de que era feito os solos, quando saía em viagem, voltava sempre com amostras de pedras e vestígios de vegetação, simplesmente para falar sobre a ação do tempo e da erosão sobre determinada área, não me lembro muito o nome dele, pois o tratávamos pelo apelido que era Tuim, nossa, o que será feito do professor Tuim nos dias de hoje? É interessante relembrar a dedicação e o amor que ele tinha por sua aula e pela sua matéria, muito bonito mesmo! ... Também comecei a ganhar livros da Dra. Setsuco Muronaga, o primeiro livro que ela me deu foi o Meu pé de laranja lima, do Zé Mauro de Vasconcelos, depois, veio O Pequeno Principe, de Antoaine de Saint' Exupère e assim, foi, depois comecei a comprar livros sem parar, gostava de saber sobre o planeta, sobre as galáxias e assim li tudo sobre o assunto, de Júlio Verne á Eram os deuses Astronautas?, do escritor alemão, Éric Von Daniken, além de gostar muito de história, assim sabia tudo dos anos 20, 30, 40 até atualidades dos anos 60, beirando a década de 70, interessei-me também por religiões e assim li bastante a respeito, das espiritualistas até da cultura asiática, astecas, indiana e outras, acho que veio daí a minha busca incessante por DEUS, o querer conhecê-Lo, entender a vida e minha existência, além da curiosidade em conhecer novos povos e outras culturas, saber que não se está só neste universo e que havia muitas outras culturas a serem estudadas, isto num período em que tudo girava em torno de bibliotecas e livros e as informações chegavam pelo rádio e tv, jornais e revistas, e as distâncias pareciam infinitamente grandes, impossíveis da gente transpor!...