Soninha Surrada da Vida, o Retorno.

Ela voltou, meus amigos!

Não para “rever os amigos”, como cantava o grande Nelson Gonçalves, em sua “Boemia”, mas para dizer que perdeu mais dois dentes e que sua cabeça anda cada vez mais perturbada, que perdeu também o emprego, que suas filhas andam consumindo pedras de crack e que seu marido gastou seu último salário na zona do meretrício, “com duas putas piores que ela”, “fisicamente”, ressaltou, me dizendo, enxugando as lágrimas com um pedaço de papel que tirara abruptamente do bolso, mais sujo que a vida.

Ouvi calado seu murmúrio, não tendo como conter também algumas lágrimas que me rolaram sem querer, após sua saída. Fiquei enraivecido por isso, pois detesto apertos no gogó e lágrimas jorrando ao léu. São coisas que infelizmente nos ocorrem e que não temos como contê-las.

É uma mulher que Deus, o capeta, sua mãe, seu pai ou sei lá quem, suponho, trouxe ao planeta para servir de cobaia para testes extremos de sofrimento. Nem nazistas cometeriam tamanhas atrocidades. Vive dopada para se conter. Suas duas filhas menores estão com ordem judicial de condução coercitiva por suspeita de traficância. Seu marido está mais seco que uma taboca, mas insiste em ingerir diariamente duas garrafas de conhaque presidente, em homenagem, como ele mesmo gosta de dizer, ao presidente que mais venerou, qual seja, Itamar Franco; seu pai se desintegra vegetando com um câncer no esôfago há uns doze anos, e insiste em continuar vivo, na cama, bradando impropérios a Deus e ao mundo, cuspindo e xingando a todos que se aproximam.

Soninha agüenta tudo calada, até chegar até mim, onde desabafa, se descabela e cai aos prantos, puxando o restolho de cabelo que lhe resta na cabeça. Tenta se debater, engolir clipes, grampos, se enforcar, mas a contenho calmamente, por compaixão. Sou advogado, mas tem horas que inevitavelmente tenho que fazer as vezes de psicólogo. E sofro, sofro tanto por isso que em seguida, quando a atendo, fecho o escritório e vou cabisbaixo para o fundo de minha casa, me embriagar e ouvir Leonard Coen..., como hoje...

Algumas vezes tirei alguns trocados porventura tinha na carteira para lhe ajudar de alguma forma, supondo que apenas o dinheiro lhe fosse a solução. Lenços! Perdi a conta de quantos lhe foram entregues para limpar lágrimas e por vezes até sangue que saía de sua cabeça, que, não sei porque, vivia machucada, sangrando. Sua cabeça vivia sangrando, e agora me indago, porque, meu Deus, porque?

Deram a uma única mulher, obesa, idosa, feia, semi-alfabetizada, desdentada e miserável, o sofrimento de mil brutos homens medievais! Por que será, meu Deus? Por que?

Mas hoje lhe passei um bom livro de auto-ajuda, o melhor que já li, “Cândido, ou o Otimismo”, de Voltaire, e tenho esperança, caso leia, mesmo que com lupa e à luz de velas, que tenda a se recuperar...

Vamos, Soninha, avante, levanta-te e anda, pois as cargas nos impostas pela vida só nos são entregues porque na essência somos de fato capazes de suportá-las!

Savok Onaitsirk, 23.03.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 24/03/2011
Código do texto: T2867473
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