As baratas

A chuva incessante impregnava as paredes de uma umidade nojenta, que devia ser rotineira ali, já que a tintura das paredes descascava.

Marília tentava prestar atenção no falatório de tia Suzana, mas era impossível.

Aquela ocasião era bizarra e desagradável para a jovem mulher, que queria um pouco de solidão para chorar a sua mágoa, mas tinha que aturar aquela ridícula convenção familiar.

Sempre achara que os velórios eram eventos de muita hipocrisia e aquele não estava sendo diferente.

Metade dos presentes sequer visitava tia Lore, não lhe dava a mínima importância enquanto estava viva e agora atrapalhava os entes queridos em sua despedida.

-Tia, a conversa está boa, mas vou tomar um ar. – Disse delicadamente.

-Como quiser, querida. – A velha não se aborreceu. Engatou uma conversa com tio Alfredo.

Marília foi até a varanda triste da capela. Não tinha vontade de chorar, mas sentia um peso de lucidez na alma, como se só agora tivesse tido consciência do mundo em que vivia. Pensava na tia morta, que a havia criado desde que seus pais haviam morrido, e parecia inconcebível que não fosse mais tê-la ao seu lado.

O desamparo fez com que se lembrasse de Renan. Há anos ele não falava nem com ela, muito menos com a mãe. Fora expulso de casa e isso fez com que todos os três sofressem.

Talvez ele acabasse sabendo da morte da mãe e viesse vê-la, pedir seu perdão e perdoá-la, mesmo que ela já não pudesse dizer palavra. Talvez voltasse para os braços de Marília e, sem a oposição de tia Lore, eles poderiam ser felizes.

Tia Constância arrancou-a de seus devaneios, chamando-a a tomar um chá para se aquecer, que a jovem recusou. Voltou a entrar na capela e postou-se ao lado do caixão, contemplando aquele rosto que amava e odiava.

Renan não viria e com razão, por isso ela não o condenava. Foram umas tolas, ela e a tia.

Sentou-se e aspirou o perfume das flores, observou o chão surrado de muitas outras mortes e as baratas que volta e meia davam o ar de sua graça.