Revoada de Borboletas

Os meninos passeavam sem ter o que fazer numa manhã de quinta-feira. Do outro lado da praça viram quando Seu Bonerges de Maria, que também não tinha muito o que fazer em sua loja de calçados, descartava algumas caixas vazias de sapatos. Zé Leite logo teve uma idéia:

- Ei! Vamos pedir as caixas de sapatos pro Seu Bonerges e enchê-las de adivinhões! Vamos ver quem acha mais.

Os meninos concordaram com a idéia, e foram até a loja. Seu Bonerges, sempre com um sorriso que mostrava os dentes de ouro, deixou que os meninos pegassem as caixas de sapatos. Assim munidos, foram eles em busca dos adivinhões.

Os adivinhões eram crisálidas de borboletas. As lagartas, que lá em Alagoinha apareciam aos montes e de todos os tipos, transformavam-se em crisálidas quase na mesma época. Algumas não eram muito rígidas, e quando tocadas contorciam o corpo para um lado ou outro. Por isso os meninos as chamavam de adivinhões: faziam uma pergunta qualquer, e tocavam na crisálida. Dependendo da direção que se contorciam, indicavam uma resposta.

- Para que lado fica a igreja? – perguntou um dos meninos, tocando num adivinhão, que se contorceu para um lado. – Ih, esse não sabe de nada. Apontou o lado errado!

- Que nada. Você que não sabe perguntar. – interveio Zé Leite. – Ele apontou a direção da igreja de Pesqueira, que fica para lá. Quer ver? Para que lado fica a igreja de Alagoinha? – e tocou novamente no adivinhão, que se contorceu para o outro lado, coincidentemente o lado certo. – Viu? Tem de saber perguntar! – riu.

E assim foram eles, coletando crisálidas. Achavam-nas nos arbustos, nos muros, nas pedras. Esquadrinharam todos os cantinhos da periferia da cidade. Quando acharam que tinham pegado o suficiente, já era tarde, e resolveram ir cada um para sua casa.

- Vamos guardá-los, e no domingo nós contamos lá na praça, na hora da missa. – Propôs Zé Leite. – E não se esqueçam de amarrar as caixas com barbante, senão os ratos abrem e comem os bichinhos. – recomendou.

No domingo, dia ensolarado, estavam reunidos na praça, em frente à igreja. Ao abrirem as caixas, viram que muitas crisálidas, devido ao calor, haviam se metamorfoseando em borboletas, e estavam em busca de sol para aquecer as asas. Surgiram borboletas de todas as cores, tamanhos e desenhos, e espalharam-se pelo chão, abrindo e fechando as asas.

Quando os fiéis que estavam na missa começaram a sair da igreja, depararam-se com o inusitado. As borboletas coloridas, aquecidas pelo sol, levantavam-se em revoada, indo em busca das flores do jardim. Logo em volta da praça estava cheio de gente apreciando o espetáculo. Nunca tinham visto tantas borboletas juntas. Durante a tarde inteira, as borboletas fizeram a alegria do povo, voando placidamente de flor em flor.

À tardezinha, Zé Leite verificou que ainda tinha muitas crisálidas nas caixas.

- Vamos levá-las para a beira do mato. Lá tem mais flores para os adivinhões que virarem borboletas.

E os meninos foram até lá, onde penduraram as crisálidas restantes nas plantas, pelos pedúnculos de seda, usando espinhos de facheiro. Já começava a escurecer quando terminaram a tarefa. No dia seguinte logo cedo foram visitar seus adivinhões. A maioria, aproveitando o calor do dia, estava se transformando, e mais uma revoada de borboletas se formou, dessa vez longe dos olhos do povo, mas mais perto de seu ambiente natural.

- Melhor a gente não fazer isso de novo. Acho que cada lagarta sabe onde é o melhor lugar para ela ficar e virar adivinhão e borboleta, e nós não devemos tirá-los do lugar. – Disse Zé Leite pensativo.

- Mas, Zé. Como é que um bichinho desse tamanho vai saber qual é o melhor lugar para se pendurar? Nas caixas eles ficam até mais protegidos… – Questionou um dos meninos.

- Eles sabem, oxente! Não são adivinhões?

Na primavera seguinte não caçaram adivinhões. A brincadeira da vez era esperar que eles se transformassem e apoiar as borboletas em suas mãos até que estivessem em condições de voar. Algumas meninas participavam da brincadeira, e os meninos mais atrevidos colocavam as borboletas nos cabelos delas. Entre gritinhos e risadas iam apreciando essa extraordinária manifestação da natureza…