A Travessia

O esperado frio não apareceu. A chuva constante ao longo da semana passou e o dia amanheceu apenas nublado, com o sol saindo aos poucos. Temperatura agradável na largada, em torno de 17 ºC.

Exatamente doze meses e doze dias antes, eu iniciava tratamento de quimioterapia. Agora estava alinhado para largada em uma maratona. E preparado para cumprir a missão! Em julho do ano passado, ainda finalizando meu tratamento, corri 2 km em gloriosos 15 min, o necessário para justificar o verbo. Agora tinha pela frente 40 km adicionais!

O desafio não começa no dia da corrida, mas certamente muito antes. No meu caso, em dezembro. Informei ao pessoal do treino o meu interesse e tudo mudou. Os treinos de fim de semana gradativamente passaram a justificar o nome de "longões". Alguns superaram os 30 km e as 3 horas. Sim, sem dúvida é um desafio. Mas sem diversão, ninguém acorda às 6:00 do domingo pra fugir da cama e escapar - ao menos por um breve tempo - do forte sol desse verão prolongado do Rio de 2010! Não pode ser apenas a obrigação. Tem que ter prazer a cada passo. Ou pelo menos, na maioria deles... Caso contrário, é melhor ficar nos rápidos 5 ou 10 km.

Dizem que o "filme" da nossa vida pode passar num instante em algumas situações. Nas longas 4 horas utilizadas para correr os 42.195 metros da prova, tenho tempo para ver um longa metragem, com direito a melhores - e piores! - momentos, ver outros ângulos, câmera lenta ou rápida, a passar o tira-teima etc. Paradoxalmente, só penso no próximo passo e na chegada.

Às 7:15 é dada a largada da maratona masculina. Logo nos primeiros quilômetros, um cidadão ouve o apito do meu relógio e pergunta: “você ta marcando a velocidade?” Resmungo positivamente. Ótimo! O meu relógio ficou sem bateria. Vou correr ao seu lado a prova toda – ele retruca. “ah?! Tá maluco?!” Penso baixinho... O sujeito me acompanhou por uns 15 km, pedido boletins constantes. Depois ficou mais lento, mais rápido e sumiu... Acabo conhecendo outro, que também correu Barcelona e São Paulo esse ano. Corria ali pra receber a camisa Marathon Maniacs – categoria bronze, por completar 3 provas em 90 dias.

A primeira metade da prova foi muito tranqüila. Algum incômodo na barriga, mas nada de especial. Sigo um ritmo confortável, de início 5:50 (min:seg por km). Depois um pouquinho menos. Passo pelos quilômetros confortavelmente, sem pressa. Sinto algum incômodo no 31º km e no 34º km, com leves e breves subidas. Estou ótimo! Forçando um pouco a partir do 38º km, faço a minha primeira maratona em menos de 4 horas! O cenário ao meu redor era devastador. Indo a 5:30 min/km - uma velocidade razoável – eu passava por vários corredores com facilidade. Muitos andavam, vários se alongavam ao lado, buscando mitigar as cãibras. Acelero com vontade. Completo o 38º km em respeitáveis 5:19 min/km, com sobras!

Nada com um passo após o outro, um metro após o outro... Subitamente tudo muda e fico em situação semelhante aos meus colegas. Cada metro passa a ser um desafio. Estava quebrado! Os 2,5 km restantes pareciam uma barreira. Apenas um erro em meses de preparação e estava destruído por completo! Aceito até o isotônico azul estilo Alice no País das Maravilhas. Qualquer coisa que me levasse pelos metros restantes. Pego dois copos de água e resolvo caminhar enquanto bebo, mais confortável. Estou às margens do Guaíba. Olho à direita e estou a uns 200 metros do “Gigante da Beira-Rio”. Maldito “Império do Colesterol” – apelido chileno da dupla Adriano-Vagner Love. Meu time deveria decidir uma vaga na final da Libertadores ali em breve! Os palavrões voltam à mente...

Depois e alguns passos lentos, encaixo um generoso ritmo de 6:20 min/km. “Força total no último quilômetro”! Esse é o plano. Acelero. Acho que algo perto de 5:30 min/km. O que seria muito confortável em situações normais, ali era degradante. Alguns olham a inscrição no peito e gritam meu nome. Nos últimos 300 metros, já com centenas de pessoas cercando a chegada, um cidadão olha no meu olho e grita: “Vai Alvaro, força! Falta pouco!” Diante de uma cena dessas, alguém com um mínimo de brio arruma alguma energia e se mata correndo. O relógio marca que fiz esse trecho final em respeitáveis 3:05 min/km. Digno de queniano! Tudo bem, eles correm a prova inteira nessa velocidade... Finalizo em 4h 8 min e 8 seg.

Os últimos quilômetros foram os mais difíceis que já corri e nesse tiro final, as pernas voaram. “No pain, no gain.” Sem dor, sem recompensa, numa tradução adaptada minha. Assim fica tudo mais interessante. Quando é a próxima corrida?

Segue link para um vídeo correspondente

http://www.youtube.com/watch?v=zidXZESU0Mc

ARunning
Enviado por ARunning em 29/04/2011
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