CONTO CAÓTICO

Era uma casa simples e úmida; era ampla e ficava no fim de uma escadaria que podia se comparar a um precipício.

Parecia mesmo um esconderijo e algumas vezes, fugindo de mim e da realidade eu me escondi e perdi por lá.

No meio da bagunça, de todas as coisas, meu talento e corpo ficavam pelo chão. Coisifiquei naqueles dias e tudo por um ideal... Um sonho. Eu já não era mais alguém e sim algo ali.

Ao lembrar, das formigas na pia, louças largadas, cafeteira sempre suja pelo chão; junto com latas e garrafas de bebida, vem também a memória olfativa: o cheiro da umidade, o forte odor das cobertas que beirava a indigência, o lixo abandonado fora da casa esperando um milagre de quem sabe um dia conseguir subir as escadas e ter um fim digno.

Esses flashes dão engulhos porque o cheiro é coisa que marca profundamente e nem todos podem ser considerados boas lembranças.

Uma das janelas mostrava o fim da linha, o comum: o cemitério. Aquilo não me causava medo; na serra a cerração te dá a mesma paz dos mortos.

Medo, eu sentia de mim, ali anestesiada descendo para aquele precipício, seguindo um sonho que era apenas meu.

Quando antes nesta vida eu havia descido tanto ao ponto de me adaptar com o nada vindo do outro, que por fim me nivelava ao chão? Experiência inútil e vergonhosa.

Um dia acordei em meio ao caus; peguei minha alto estima, dei dois tapas e me pus pra correr sem olhar para trás.

Da desordem não nascem bons frutos, mas nela quase perdi boas sementes. E eu não poderia perder mais do que o tempo ido.

Das duas mudanças que presenciei, nenhuma infelizmente foi na pessoa, apenas de local, portanto insuficiente.

Sem conseguir entender nem me adaptar aquela situação de desleixo infinito o que pude fazer foi cuidar de mim.

Recobrei minha lucidez e voltei a ser eu; renunciei ao caus por amor; próprio e comum.

Não realizei meu sonho, não construí nada de novo, porque não havia estabilidade no solo para tanto; ainda assim sinto que sou feliz por ter recuperado a coisa mais importante da história: eu.

Não tenho tudo, mas não sou mais uma coisa no chão daquele destino e isto por si só já é um final feliz.

Elaine Spani

ELAINE SPANI
Enviado por ELAINE SPANI em 01/05/2011
Código do texto: T2943051
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