Um tempo necessário

Naquela manhã, Vanda saiu de casa batendo a porta num surto de nervosismo depois de mais um desentendimento com o marido, Osmar. Só que seria diferente, pelo menos foi o que pensou. Entrou no carro pensando numa série de palavrões e arrancou sem destino. A mente farta de pensamentos ruins, provocava os desabafos do momento. Pensava na vida. Nas escolhas. Na vida a dois, "a dois?". Tudo uma M. Concluiu.

A medida em que pensava, acelerava o carro. Atenção? Nenhuma. Não tinha objetivo. Era uma fuga. Já não agüentava mais os desaforos daquele que foi um dia, o homem da sua vida. De repente um sinal. Vermelho. Um susto, pé no freio e, "UFA!!!" conseguiu parar o carro. Deu um soco no volante. Abaixou a cabeça. Sentiu a velha dor na testa. Fechou os olhos. Sentiu-se submergindo na escuridão, quando ouviu algo. Olhou e se deparou com um menino. O rosto redondo e moreno. Um saco de balas na mão. Vanda fez que não com a cabeça e voltou para a escuridão. Outra batida. De novo o menino. Ensaiou um palavrão. Porém o sorriso franco e inocente do pequeno vendedor desarmou sua alma. Num movimento brusco, baixou o vidro e perguntou: "O que você quer?". Sem esperar resposta, pegou algumas moedas e perguntou mais uma vez; "Quanto é". O menino olhou diretamente nos olhos de Vanda e nada respondeu. O sinal abriu e ele se afastou. Vanda ficou por alguns segundos com as moedas na mão olhando sem saber o que fazer, até que ouviu as buzinas. Voltou-se para o volante e se foi. Só, que a medida em que se afastava, sua mente passou a visualizar o rostinho do menino. E o sorriso dele. Quem era? Há quanto tempo trabalhava naquele sinal? Tinha sido ignorante com ele? Perguntas que ficaram sem respostas.

Neste momento, Vanda sentiu um alívio na mente. Percebeu que o coração estava mais calmo. A dor no estomago, já não incomodava tanto e respirava mais profundamente. Viu que a manhã trazia um lindo sol de outono e que a brisa era como um afago de Deus. Parou o carro e se permitiu pensar no momento que viveu e na realidade que tinha em suas mãos. Vislumbrou mais uma vez o rosto do menino e, ainda que em pensamentos, agradeceu pelo freio da vida que a fez parar por um momento. Só um momento. Porém um momento que desarmou os laços de ódio que a governava. Sorriu entrou no carro e foi, mas desta vez com um destino.