Uma Vera qualquer

Foi numa madrugada chuvosa, num pequeno apartamento onde Vera vivia mais uma terapia de insônia. A vida estava brecada desde o divórcio. O recolhimento foi a decisão. A insônia? Talvez conseqüência. A verdade é que apesar de estar certa que a decisão fora necessária, Vera sentia a dor da readequação a nova realidade. Ainda sentia o cheiro de Beto na cama, no corpo, na vida. Ainda se pegava chorando quando as lembranças assaltavam sua mente. Só que havia algo especial naquela madrugada de chuva, sentia medo. Medo? não, talvez não. Pavor! Sim, pavor!

A insegurança promovia a incerteza.

Um súbito desejo de fuga tomava conta dos pensamentos. Assustada com o momento, procurou nos pensamentos algo que poderia ser usado como alento, mas só encontrou uma fala de Aurora, uma velha amiga de Ensino Médio: "Você está deprimida Vera". Lembrou-se que num primeiro momento tentou ignorar o "veredicto", mas a verdade é que estava se sentindo mal, recolhida em casa, evitando os amigos, não atendia telefonemas e quase não saía.

Só que o hoje a assustava pavorosamente. Seria tão bom que alguém chegasse ou ligasse, mas quem? Poderia tentar contato com alguém, mas melhor não. Não queria incomodar. Sentou-se no sofá e procurou ajuda apertando a cabeça com as mãos. Um choro sofrido veio da alma. Não sabe quanto tempo ficou na mesma posição, mas sabe que ficou. Até que a dor no pescoço incomodou e provocou a "volta". Foi neste momento que ouviu o som da chuva. Algo diferente. Ritmado. Tomou coragem e foi até a janela. Lentamente abriu as cortinas. Viu a imagem refletida no vidro como um quadro digno de um Picasso. Sem perceber racionalmente, abriu os vidros e sentiu o cheiro da terra molhada como o aroma da vida. O vento trouxe os pingos da chuva até o rosto de Vera. Se permitiu. Passou as mãos lentamente pelo corpo e se sentiu envolvida por algo inexplicável, porém de certa forma familiar. Sentiu que havia alguém olhando pra ela, ou por ela. Quando reparou não havia mais o medo e sim uma doce paz. Respirou fundo e olhou para a vida que nascia com uma nesga de sol que brotava além da montanhas. A chuva passara e um novo dia nascia como um renovo. Sorriu. Sorriu. Sorriu e agradeceu... Ainda estava viva e misteriosamente se sentia, de novo, viva.