FAVELA

Neguinho, Curruila e Bola. Três amigos que moravam na favela. Eram amigos, quase irmãos. Estavam sempre juntos. Na favela nasceram e dali ainda não tinham condições de sair.

Neguinho era magrelo e gostava de usar as calças deixando entrever o elástico da cueca de “marca”. Era moda.

Curruila, apesar de ser da raça negra , era o mais claro entre os três, tinha o rosto miúdo e era o mais baixo ta turma.

Bola, apesar do apelido, não era gordo, ganhara esse apelido porque desde que nascera gostava de uma bola, era seu brinquedo favorito e agora aos dezesseis anos de idade jogava um bolão como ninguém. Às vezes dava até briga quando a turma se juntava para jogar uma pelada, os dois times queriam o Bola, pois no time que ele entrava era jogo ganho na certa.

Neguinho namorava Dalcilene, a qual, carinhosamente ele chamava de Lêni.

Bola estava ficando com a Sheron, não era namoro, era apenas ficar.

Curruila aos dezessete anos de idade já tinha uma filha com Suzana, mas não quisera ficar com ela, apesar de sempre ir visitar a filha Ana Paula que já contava com seus dois aninhos.

Os três amigos gostavam, às vezes, de ficar em cima da laje da casa do Bola para falarem sobre o futuro.

“-Cêis vai vê mano, um dia ainda vo tê um carrão da hora”. – Dizia sempre Neguinho que era apaixonado por carros.

“-E eu, mano, quero tê uma casa de responsa pa vivê, no banheiro vai tê hidromassage e tudo.” – Sonhava Curruila.

“-Eu tamém mano, quero tê um lugar de responsa, colocá minha véia pa vivê que nem gente bacana.” – Dizia Bola.- “- Eu vô sê um grande jogadô de futebol e aí ceis vai vê o Bola aqui, dano entrevista na televisão e tudo! Porra, caralho mano, vai enchê de loira no meu pé. Vô comê uma por dia. Que nem o Ronaldinho.”

“-É mano, minha véia tá pegano no meu pé p’reu arrumá serviço.” – Comentava Curruila. “- Se eu jogasse um bolão que nem você Bola, eu já tava era rico; quer dizer, milionário”.

E assim era a vida dos três. Não tinham emprego fixo, mas sempre se viravam para ganhar uns trocados.

Cuidavam dos carros dos “bacanas” nas ruas, vendiam cerveja no trem e nos faróis em dias muito quente e de vez em quando faziam um bico de vendedor pelas feiras perto ou longe da favela. Estudo? Já há muito tempo desistiram de estudar, os professores pegavam muito no pé, o Conselho Tutelar já cansara de ir atrás dos três. Até que eles gostavam da professora de Português porque ela sempre contava uma história antes de começar a dar aula, mas era só isso.

Nenhum deles conhecera o pai. O pai do Bola quando ficou sabendo da gravidez da namorada “deu linha na pipa” (como dizia Bola).

O pai do Curruila, que era nordestino, voltou para a sua terra natal e nunca mais deu notícia.

O pai do Neguinho foi assassinado e até hoje nunca pegaram o culpado. Ouvia-se pela favela que tinha sido a polícia.

Certa vez estavam os três jogando uma partida de futebol na quadra do Centro Social Urbano quando um “olheiro” prestou atenção nas peripécias do Bola e viu nele grande futuro. Ficou empolgado e depois do jogo foi falar com ele convidando-o a treinar e a jogar pelo Nacional. Esse foi o dia mais feliz do Bola. Neguinho e Curruila diziam:

“-Olha lá hem! Num vai isquecê dos mano aqui da favela hem!

“-Nunca! Cêis são meus irmãozinho! Nooossa! Caralho!, num disse que meu dia ia chegá? Num disse hem?!

Os três se abraçaram e pularam gritando:

“-Timão eô! Timão eô! Um dia cê vai jogá é no timão!”

Quando a mãe do Bola ficou sabendo da notícia, chorou de emoção abraçada ao filho. Agora tinha certeza de que a vida sofrida ia acabar, estava no fim. Já começava a sonhar com uma vida mais digna. Quando seu filho tivesse ganhando muito dinheiro ela não mais precisaria lavar roupa dos outros para ganhar uns trocados. “-Obrigada, meu Deus! Obrigada!”

Curruila chamou os amigos para comemorar no bar do Zeca.

“-Zeca, desce uma loira gelada que vamu comemorá o melhor jogador do mundo! Esse cara aqui vai batê os dois Ronaldinho!”

Zeca botou a cerjeja sobre o balcão e brincou:

“- Tem ninguém pra batê o Ronaldinho Gaúcho não hem!”

“-Ê... qualé Zeca? Tá duvidano do mano aqui, é? Cê vai vê cara! Vô jogá é no timão! Meu nome vai ficá na história. Vô dexá a marca do meu pé na calçada dos melhor do mundo!”

Os três riam e sonhavam, devaneando sobre quando o Bolão tivesse ganhando um montão de “grana”. Ia comprar uma Ferrari, uma mansão no Morumbi, ia ajudar as mães do Neguinho e do Curruila porque Dona Maria e Dona Suzete era “firmeza”.

De repente gritaria, correria.

Um carro preto cantando os pneus parou em frente ao boteco, dois encapuzados desceram metralhando todo mundo. Depois, rapidamente entraram no carro e partiram em alta velocidade.

Zecão, o dono do bar caiu morto debruçado sobre o balcão, Neguinho e Curruila caíram mortos um por cima do outro, outros fregueses também caíram alvejados. Bolão tentou correr, mas caiu ferido em um dos becos. Socorrido veio a notícia do médico:

“- Nunca mais vai andar, o tiro pegou a espinha, vai ficar paralítico.”

No noticiário da noite: “Mais uma chacina na favela, esta é a décima primeira do ano. Cinco mortos e um ferido. A polícia diz que a causa é a guerra entre os traficantes.”

Nas televisões do Brasil todo ninguém ligava para a notícia. Era coisa corriqueira. Um senhor chegou a comentar: “- É isso mesmo, bandido tem que morrer.”

Na favela três mães de velhos conhecidos nosso, choravam inconsoláveis a tragédia.