A CHANCE

-Amor, tô indo! Gritou Ricardo para sua esposa que estava no quarto com o pequeno Gabriel arrumando-o para ir ao colégio. O garoto já cursava a primeira série. Ana gritou de volta:

-Não vai tomar o café que eu te preparei com todo carinho? Não vem nos dar um beijo de tchau?

-Tô muito atrasado, tchau.

-Ah pai, eu quero um abraço!

Ricardo já nem ouvia o filho, não podia chegar atrasado ao serviço. Andava sempre atrasado, andava estafado. Não via a hora de chegar suas férias. Descansar. Ter mais tempo para a esposa e para o filho, (sorriu maliciosamente) e também para sua amante Gorete. “Ô mulher gostosa!” Não teve muito trabalho para conquistá-la. Gorete era uma mulher de formas exuberantes, mas Ricardo não queria nada dela além do sexo. Gorete queria que ele abandonasse a família e fosse morar com ela. Isso ele sempre prometia a ela, mas é claro que isso não ia acontecer, apenas ganhava tempo e sexo. “Quem sabe se a gente não podia ter um filho também?” (dizia ela).

Ricardo entrou no carro, colocou no CD Player sua música favorita e saiu cantando os pneus e a música... “Tenho andado distraído, impaciente e indeciso e ainda estou confuso só que agora é diferente, tô tão tranqüilo e tão contente...”

Parou no semáforo vermelho.

- Droga de vida! Desse jeito vou chegar atrasado de novo! Depois tenho de agüentar a cara feia e a chatice do Seu Danilo.

O farol abriu. “Graças a Deus” – pensou ele.

Outro farol vermelho.

- Droga. Droga. Que merda!

Quando o farol abriu uma senhorinha que ia a sua frente demorou alguns segundos a sair e ele irritado tacou a mão na buzina. Depois encostou o carro lado a lado com a senhorinha e gritou:

- Vai pilotar fogão, sua velha caquética!

A senhorinha sorriu para ele e gritou:

- Bom dia pra você também, filho!

Por um momento Ricardo sentiu-se desconcertado, depois pensou “Que velha doida!”

O trânsito estava um sufoco e a toda hora Ricardo olhava para o tão valorizado rolex.

Terceiro farol fechado.

- Droga, merda! Se aquele idiota tivesse saído da frente eu conseguiria escapar desse maldito farol.

Ricardo estava tão irritado que nem percebeu dois rapazes que sorrateiramente se aproximavam do seu carro. Um dos rapazes encostou o revólver no ouvido dele e disse:

- Rápido, passa para o banco do passageiro e feche os olhos. Se abrir o olho eu te mato.

Aturdido e sem chances pulou para o banco ao lado e fechou os olhos.

O primeiro bandido entrou e abriu a porta de trás para seu comparsa que disse a Ricardo:

- Se tu abri o olho malandragem, ou fizer qualquer gracinha tenho uma PT bem aqui nas suas costas, não vou pensar duas vezes antes de pintar o painel do seu carro com seus bofes vermelhos, tá entendendo?

Os bandidos saíram como se nada tivesse acontecendo.

- O que vocês querem? – balbuciou Ricardo.

-Cala a boca Mane, nem um pio.

Ricardo suava em bicas. Pensou em se jogar do carro, mas a esta altura os bandidos já haviam pego um caminho sem trânsito e corriam em direção sabe-se lá para onde.

Andaram de carro com ele por mais de duas hora quando chegaram num local onde só tinha mato.

- Desce Mane! E não olhe pra trás. – Ordenaram

_Pelo amor de Deus, fiquem com tudo, mas não me mate!

- Cala a boca e vá andando. A mata era espessa, arranhavam-se, eram picados por pernilongos sedentos. Andaram mata adentro por mais de uma hora.

Ricardo não se atrevia mais a abrir a boca, estava apavorado. Os dois bandidos também iam quietos, falando alguma coisa um para o outro muito de vez em quando.

- Aê! Esta árvore já está à pampa. – Disse o mais magro e branquelo.

-É! Acho que já tá bom! – Respondeu o rapaz que era negro. – Tira toda a roupa Mane, fica só de cueca que eu não tô a fim de ver você mijar de medo.

Pelo amor de Deus, eu...

O branquelo deu-lhe uma coronhada na cabeça. O sangue correu.

Chorando Ricardo tirou toda a roupa e então com as próprias roupas foi amarrado firmemente àquela árvore.

-Vai ficar aí bunitinho até sua mulher pagar o resgate. Anda, dá o número do telefone da sua casa. Ah! Vamu levá esse rolex também.

Atordoado ele deu o número do telefone implorando:

- Não me deixem aqui, por favor!

Os bandidos se afastaram rindo da cara dele.

- Bebê chorão! Vira homi rapá!

Quando Ricardo deu-se conta de que estava sozinho e bem amarrado no meio daquela mata, começou a gritar por socorro. Gritou até ficar sem voz e sem forças. Tentou se desamarrar, mas nada. Tinham amarrado seu pescoço com a gravata, suas mãos para trás com a camisa, suas pernas com as calças e o paletó.

Os mosquitos e pernilongos fartavam-se de seu sangue. Passara o dia inteiro ali, angustiado, pensando na escuridão da noite que se aproximava.

Lembrou-se da esposa sempre tão carinhosa com ele, lembrou-se do filho, o pequeno Gabriel que sempre lhe implorava atenção, mas o tempo ocioso que tinha gostava de tomar uísque e transar com a Gorete. Sentiu remorso. Prometeu a Deus que se conseguisse se livrar dessa enrascada seria tudo diferente. Daria mais atenção à família, pensaria menos em trabalho e nunca mais trairia sua esposa. “Querido, vai sair sem me dar um beijo? Arrependeu-se de não ter voltado, dado um beijo na esposa e no filho e dizer que os amava muito, mais que tudo nessa vida. Mas não, ao invés disso saiu correndo como sempre. Nem tomara o gostoso café da manhã que Ana preparara-lhe com tanto carinho, não beijou seu filho. Teve náuseas ao lembrar que iria tomar café da manhã com Gorete que agora lhe parecia tão insignificante.

Lembrou-se dos pais. Fazia mais de um ano que não ia visitá-los. Sua mãe sempre telefonava para ele, queria saber como ele estava, (ridículo) encurtava a conversa. Tantas vezes pensou em dizer para sua mãe que ela era uma chatice. A voz da mãe inundava-lhe a mente agora. “_Oi filho, como vai? E a Ana? E o Gabriel? Estão todos bem! Que bom, filho.”

Quando sua mãe desligava o telefone era um alívio para ele.

A turma do serviço tirava um barato da cara dele:

“-Oi bebê! É a mamãe! Põe o seu casaquinho de lã e seu cachecol. Olha, a mamãe fez bolinho de chuva pro você, tá!”

E todo mundo ria.

_Que saco! Mãe enche a paciência da gente né! – Dizia ele meio sem graça, mas participando da gozação.

Muito de vez em quando seu pai ligava e aí ele já sabia! Já ia pedir que ele fosse com a família visitá-los no sítio. Que chatice.

Não, não era chatice! Arrependia-se agora de não ter visitado mais seus pais. De dizer que os amava muito.

A noite veio tenebrosa e ele tremia de medo e de frio. Estava com sede, com fome também. Os tornozelos, os braços e o pescoço estavam em carne viva, mas mesmo assim não conseguia se soltar. Não podia dormir para esquecer dos problemas em que estava agora.

De repente pânico. “E se eu morrer aqui?”

- Socorro, socorro, estou aqui, me ajudem. Gritava para o nada no meio da escuridão, mas nada, nenhuma resposta. Ficou rouco e a garganta seca piorou.

-Meu Deus, não me deixe morrer assim, só e abandonado no meio dessa floresta. Eu preciso pedir perdão à minha esposa, ao meu filho que gosta tanto de brincar comigo, aos meus pais.

A noite era negra e às vezes parecia-lhe escutar passos. Não sabia se gritava ou se ficava quietinho. Seus lábios estavam rachados, seu corpo todo em calombos vermelhos.

“Que ironia” – Pensava ele – “Eu, um homem rico,de posses, estar aqui assim: pelado, com sede e com fome. Deus, ajuda que minha esposa pague logo o resgate e que me encontrem. Juro, serei outro homem. Pensou na senhorinha que ele havia xingado no trânsito e arrependeu-se.

O dia amanheceu e suas esperanças de ser encontrado aumentou. Ouviu um barulho de avião, mas não pôde vê-lo tão densa eram as copas das árvores.

Não tinha mais forças para gritar. Prometeu a Deus que se ele conseguisse escapar dessa perdoaria até os bandidos que o colocara ali. Abriria um orfanato para as crianças de rua, pois agora sabia o que era passar fome, frio e sede.

Pensou no patrão e no dia em que foi promovido a vice-gerente da firma. É... O patrão dele, Seu Danilo, era uma pessoa muito boa. Ele, Ricardo, é que era um ignorante e mal agradecido. Ele que era chato com os subalternos às vezes humilhando-os. “Perdão meu Deus.”

O dia foi longo e a noite chegou pavorosa novamente.

Colocou a cabeça meio de lado e sem saber como: dormiu., pois ao acordar já o sol aparecia.

Assustado deu-se conta da sua situação. Se pudesse ter outra chance. Se pudesse começar de novo.

Começou a gritar desesperado, pois sentia suas forças minando. Gritou, gritou e gritou.

Dia!

Noite!

Dia!

Noite!

Já perdera a conta e a consciência de tudo, não mais sabia há quanto tempo estava lá.

**********************

Dez anos depois, uma expedição de alunos que estudavam botânica encontrou um amontoado de ossos humanos ao pé de uma árvore. A polícia foi chamada e os ossos foram levados para averiguação.

“Ele não teve outra chance.”