Essas madames!

Essas Madames!...

Maria Antônia Coimbra Ferri de Monte Verde. Desde criança criada com mimos, brinquedos, roupas importadas e principalmente as bonecas Barbi, que eram mais de oitenta e oito, sem contar os acessórios.

A adolescente, filha de um prestigiado juiz de Direito, tinha uma vida opulenta e tranqüila. Seus pais, atentos ao futuro da filha, tinham mais preocupação que orgulho, principalmente a respeito de pretendentes.

Com dezoito anos, não faltavam moços que se interessassem por ela; porém, o rígido sistema de seleção familiar a deixou encalhada por mais vinte anos.

Tinha uns trejeitos estranhos, um deles o de jogar os cabelos para trás com um movimento rotativo da cabeça, isto a todo o momento. Com seus cabelos longos, parecia cena de comercial de xampu.

Maria Antônia não perdia uma festa, chás beneficentes ou encontros na sociedade. Simpática e sorridente, cativava a todos. Com seus trinta e oito anos, jamais arrumara um namorado. Aos trinta e nove, deixou de jogar o cabelo para o alto e para trás, fato este notado por todos os seus amigos.

Entretanto, talvez aqueles movimentos de cabeça fizessem funcionar o seu cérebro, pois, a partir dai, se tornou desligada de compromissos marcados e dos nomes das pessoas, entre tantas outras coisas.

Se saia de carro, esquecia onde havia estacionado e por diversas vezes retornava de táxi, esquecendo de pagar a corrida.

Encontrou um homem, político famoso e acabou se apaixonando. Realmente, era um político honesto e muito, muito calmo. Felizmente, este espírito de tranqüilidade dele foi o que levou o amor dos dois para a frente, porque se dependesse dela, há muito teriam se separado.

Quando namorados, ela esquecia os encontros. Quando saíam para almoçar, várias vezes, ela se levantava para ir à toalete e não mais retornava para a mesa. Ia direto para casa.

Na época de noivado, seus esquecimentos eram aceitos com graça pelo noivo.

Foi ele que escolheu a data do casamento: 25 de Dezembro, propositadamente para ela não esquecer.

Com o casamento a situação piorava a cada dia.

Um dia, esqueceu de tomar anticoncepcional, um esquecimento bendito que lhe trouxe Mirela. Por pouco não a esqueceu na maternidade.

Exageros à parte, Maria Antônia, sempre com um sorriso nos lábios, era um doce de pessoa, simpática e bondosa. Sabia dos seus esquecimentos e dizia com um jeito todo seu:

-Sei que sou um pouco desligada.

Várias vezes, procurou especialistas caríssimos; porém de nada adiantou. Aliás, numa dessas visitas que fez, um caso inusitado aconteceu.

Maria Antônia tinha um cachorrinho poodle, muito nervoso (cachorro de madame não é maluco), que ela levava para todos os lugares. Mas esquecia o cachorro nos locais em que ia: salão de beleza, academia, massagista, supermercado, shopping, feira livre. As pessoas destes locais conheciam o cachorro e cuidavam dele, até que ela, questionada pela filha ou o marido, após fazer uma relação dos lugares onde ele pudesse estar, ia buscá-lo.

Um dia, na fila enorme provocada por um acidente em uma das pontes, o cachorro, que estava ao seu lado, já cansado de tanto esperar, pulou a janela do carro, sem que ela visse, e saiu a cheirar e “batizar” os aros dos carros que estavam parados.

Após algum tempo, o trânsito foi liberado e ela totalmente absorta, ouvindo música e olhando o retrovisor, não viu.

Os carros que seguiam ao seu lado e atrás, vendo o cachorrinho entre as filas de carros que ganhavam velocidade, começaram a buzinar e fazer gestos com a mão, pedindo a ela que parasse. Mas a madame, pensando que estava sendo cumprimentada, acenava simpaticamente. Um guarda viu e veio correndo em sua direção, mas ela não escutou o apito e tampouco o notou.

O policial conseguiu pegar o pequeno animalzinho. Levantou-o no ar, apitando e correndo atrás do carro dela.

De imediato, um outro veio ao seu encontro com uma viatura, e ambos passaram a perseguir Maria Antônia, nesta altura já devidamente identificada como filha do senhor juiz Fulano de Tal e esposa do deputado Cicrano de Tal.

Ligaram as sirenes e ela não parou. Pensou consigo: deve ser perseguição, vou é entrar à direita para eles passarem.

Ela entrou à direita e a viatura passou direto numa via de mão única. Pelo rádio, após relatarem que estavam com o cachorrinho, etc, etc, receberam ordem direta do comandante para entregarem imediatamente o “au au”, que nesta altura, já havia encharcado de xixi o banco.

-E agora? Perguntou o que estava dirigindo.

-Vamos solicitar apoio de outras viaturas, respondeu o outro.

Neste ínterim, Maria Antônia passou na manicure, fez as unhas dos pés e já estava se dirigindo para a sessão de depilação, num outro salão, quando uma outra viatura a viu cruzando a avenida.

O motorista, querendo aproveitar o sinal aberto acelerou, elevando o giro do motor no vermelho, assim como a cor do sinal que fechou. Uma batida se ouviu e eles entraram literalmente na lateral de um carro.

-Cachorro desgraçado, comentou o motorista.

Na outra viatura, o cachorrinho dormia babando o estofamento.

Novo contato, novas ordens, agora direto do gabinete do Governador.

-Achem esta senhora e entreguem o cachorro!

Maria Antônia descansava com uma máscara de abacates da Tailândia e pepinos da Venezuela, depilação que fizera do buço e sobrancelhas.

Um mais esperto lembrou de procurar o endereço registrado na central de trânsito, mas não adiantou. O endereço não conferia. Restava somente achar o carro.

Por feliz coincidência, a viatura com o famoso cachorrinho estava parada numa passagem de via preferencial e Maria Antônia, parada dois carros à frente. O policial saiu correndo esbaforido do carro. Ela, aproveitando a gentileza de um motorista, entrou no fluxo e arrancou rapidamente. Não vira o guarda.

-Desta vez não podemos perdê-la, disse o policial, com vontade de dar uma botinada no fujão, que voltava a roer o banco.

Finalmente ela parou, frente ao portão de uma residência.

-Minha Senhora, pelo amor de Deus, minha senhora, fique parada aí mesmo.

Com ar de assustada, Maria Antônia obedece.

O companheiro do policial traz na mão o cachorrinho, que começa a latir e a tentar mordê-lo.

O que foi que este peraltinha fez? Pergunta ela, pegando-o no colo.

-Nada, minha senhora, absolutamente nada. O único mal que este cachorro tem é ter como dona a senhora.

O policial vira as costas e passa um rádio para a central, dizendo que a missão estava cumprida.

Maria Antônia não comentou nada em casa. Esqueceu.

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