Canivete Babe Blue

E o pior é que tem nego que não se manca.

Meu negócio não é com crime, meu chapa. Meu negócio é viração. Trabalhar dá dinheiro? Então vai trabalhar em repartição pública, assaltar banco, bater carteira, “cavalo louco”, latrocínio e essa lança de suar a camisa aí. Meu negócio é outro. Tóxico e zona. Nada melhor. Não toco na droga. Mando “vapor” para a rua e sai de baixo. Pago adiantado às meninas. Se vacilar, já sabe. Já apaguei dois só para dar o exemplo. O resto ficou pianinho. Pianíssimo. Só que o pior de tudo era que o Pernambuco não era de guerra. Mas cornudo conformado menos ainda. Desde o primeiro dia eu sabia que a Ieda ia dar galho. Ô Nega Fulo! Da cor do pecado, a mina. Sarará dos olhos verdes. Delícia de mulher. Quando ela pintou na minha bocada – a mando do Pernambuco – as minas ficaram no veneno. Claro que ela ia fazer minhas putas rebolarem para levantar os cobres. Alguma dúvida? Seios que quase saltavam da blusa. Coxas grossas. Cabelo bom. Pele cor de gema. Bunda de parar o Largo da Ordem em noite de sexta. Amplos quadris. Óbvio que eu experimentei da fruta. Quase pirei só que eu seguro minha onda. A Julie estava morando comigo e quase desceu a casa abaixo por causa daquela maravilha que coloquei para dentro do meu estabelecimento. Pedido de amigo de fé não se recusa. Pernambuco era de confiança. Tinha sido expulso da polícia civil por corrupção. Ele até entrou na Justiça e outros bichos para provar que não tinha nada com aquela treta maluca. Enquanto ele esperava o desdobramento do processo mandou a Ieda buscar serviço na minha “casa de paquera”. Eu tinha de tudo um pouco: Polacas, negras, ruivas, morenas, mulatas, branquelas. Tinha até pó e bala para a playboyzada. Tinha pedra para os pés de chinelo. E tinha ácido e maconha para mim. Que vidão. Só não tinha uma beleza como a Ieda até o dia que ela chegou. Nem precisa dizer que com aquele monumento trabalhando para mim o movimento da casa cresceu. Eu lidava com qualquer um tivesse grana para gastar. O desembargador e o vereador eram meus clientes assíduos. O desembargador – diziam as garotas – gostava mesmo é ser enrabado e comer merda. Cada maluco com sua mania. O vereador era metido a “Don Juan”, sem parceira fixa. Cada vez que aparecia abatia uma diferente. Até que parou na Ieda. Bom para mim. Gaita grossa no fim do mês. E o Pernambuco recebia o dele e não chiava. Deixava a Ieda se virar e ficava no botequim do Pedrão – meu sócio- jogando bilharito a dinheiro e se estourando na cerveja gelado e rabo de galo. A Julie também estava me cansando. Até as calcinhas da tipa estavam no meu nome e ela queria dar uma gostosa. Quem manda macaco velho se meter com franga nova? Eu não aprendo. A carne é fraca e pecado. Caí de língua na rachinha dela na primeira vez e a menina se apaixonou. Coloquei para morar debaixo de meu teto e já viu. Continuou fazendo programa porque eu nunca gostei de pegar no pesado. Óbvio que já engraxei sapato, vendi rosa no sinaleiro, jornal, apontei bicho, passei fumo, fiz segurança pessoal para um empresário do ramo da construção civil, puxei dois anos de cana enquadrado no artigo 171 do Penal por dar golpe em aposentado e depois aquietei e entrei nessa que eu estou agora. O Pernambuco era meu faixa. Quando estava na justa quebrou um galhão meu e fiquei devendo essa. Então, quando ele mandou a Ieda se virar indicou meu ponto. Empregada no ato. Passou na entrevista. E a Julie me aporrinhando o saco. Pegou meu cartão de crédito e foi passear no shopping e me deu um prejuízo de três mil pratas. Filha da puta! Tomou uma na orelha para aprender quem manda nessa baia e teve que fazer horas extras com os guardadores de carro para pagar a dívida. E ainda tinha que encarar cama, mesa e banho com o papai aqui. Foi por aí que pintou bicão na minha área. Não mexa com quem está quieto, já dizia meu finado paizinho.

Playboy cheio de marra. Garotão de família rica do interior do estado. Filho de deputado federal. Saca só o som disso: Deputado Federal. Carrão invocado do ano. Roupas da moda. Cabelinho idem. Sapato no pé que minhas meninas tinham que fazer programa a noite toda para comprar um desses. Nunca repetia os panos. Apareceu na minha casa numa noite de movimento. Uísque escocês para o boneco. Os garçons veados que trabalhavam para mim entraram num frenesi por carne nova. As damas da noite então, nem se fala. Farejam dinheiro. Assim como eu. Como não sou de salamaleques tratei o cara como tratava qualquer um que entrava pela minha porta. Com educação e urbanidade. Dei choro na dose. Chorei chorado e o piá pediu bis. Ficou só na campana do meu material. A Ieda lá no andar de cima fazendo a função. Puxou papo. Respondi. Ele riu. Contei piada de português. Dei mais uma por conta da casa. Engraçou-se com a Patrícia. Patrícia correspondeu. Ficaram de bate papo e tomando uma. Até que a Ieda desceu. Aí moleque foi ao delírio. Largou a Patrícia falando sozinha e caiu direito na outra. Boa escolha. A Ieda era minha prostituta mais tesão, não tinha como negar. A Ieda sabia fazer um cara gozar antes de ir para o quarto. A Ieda provocada uma ereção só de vê-la respirar. Subiram para quarto. Eles fizeram logo dois horários. Joguei o preço lá no alto. Eu saco clientela só olhando no pisante deles. Se for meio pobrinho paga galo. Se for da caixa alta vai pagar os olhos da cara. Desceram e ficaram no scotch até a casa fechar. Pagou com cartão de débito, o mané. Acostumou com a casa. Gostou do ambiente. Trouxe seus amiguinhos endinheirados para o meu pardieiro. Vinha no começo uma vez por semana. Sempre subia com a Ieda. As outras meninas já estavam mordendo os cotovelos de raiva e inveja. O Pernambuco continua engatado na nega e no dinheiro que ela levava para o barraco. Dinheiro vivo na mão todo dia? Quer coisa melhor? E o pior é que o Pernambuco não era de guerra. Repito. E de novo. A Julie cada vez mais histérica. Ciumeira danada das minas que eu contratava. Saco. Desde quando mulher da vida quer exigir exclusividade? A Julie começou a fazer birra e que não queria mais rolar com os guardadores e com os meus amigos traficantes. Mandei-a se foder e pegar suas trouxas e se mandar da minha casa e da minha vida. Embatucou. E baixou a bolinha. Ficou doce como melado. E voltou a trepar comigo direito. Ninguém quer deixar do bem bom e ficar roendo osso na esquina da Rua da Amargura. E o Pernambuco continua na veia da Ieda. E o playboy deu para aparecer duas vezes por semana. Três vezes por semana. E toda hora subia com aquela sarará do inferno. E o capeta continua despejando pelas ruas essas mulheres incríveis que nos deixam babando e pensando em suicídio.

Foi aí que o caldo desandou. Que a casa caiu. O playboy começou com um papo sério na Ieda. Que ia tirar ela dessa vida e coisas do gênero. Pior coisa do mundo é moleque cabaço. Tem grana, leva a gata mais alucinante da casa para o quarto e acha que o mundo acabou. Tem gente que se apaixona por puta, amigo. Já parou para pensar nisso? Nem pense. Se pensar muito, pira. Só no Brasil... Foi nessa que o garoto entrou numas de ficar com a Ieda todo dia. De segunda a sábado, porque domingo é descanso da companhia. O cara se engraçou com a mina errada. Malandro demais vira bicho. E à custa de otário que a malandragem ganha seu sustento. O boy começou a cheirar farinha com a Ieda. Compravam de mim, lógico. Bagulho do melhor por um preço honesto. Só que começou a pegar pesado também. Comendo mulher gostosa e mandando para a narina cocaína da colombiana? Tem nego que não aguenta o tranco, se empolga e já viu. Toda hora o mancão estava na minha casa deixando nota de cem como se fosse a Caixa Econômica. Papai Deputado Federal bancando a farra do filhote com dinheiro de imposto do povão. Beleza esse nosso país tropical, hein? Pó e festa e sexo e a arraia miúda bancando politico safado e família e votando errado na hora agá. E o playboy colocou aliança de ouro no dedo da Ieda! Veja se pode? O Pernambuco foi o último a saber. A Nega chegou bela madruga no barraco arrotando grosso e ainda dizendo que ela e o playboy estavam fazendo planos. O velho Pernambuco que nunca foi de guerra e ainda nutria esperança que a justiça iria devolver ele para o cargo e o estado pagaria uma senhora indenização por danos morais cascou-lhe o braço e disse que era parada não iria custar barato. No dia seguinte a Ieda apareceu na minha boca com o olho roxo e as orelhas ardendo e eu não dei moleza que eu tenho meu lado e o da Julie para adiantar. Mesmo com a cara arregaçada levantou um boladinha. Claro que o playboy apareceu e ela contou uma história triste e cara queria fechar o Pernambuco. Ele cara vai dançar, foi meu pensamento. Mas malandro não fala. Malandro manda uma letra. Não zoando meus negócios da porta para fora é problema de cada um. Playboy todo marrento e metido a brigão. Meteu o ferro na cinta e achou que era o Pedrinho Matador. Fatal. Chacal. Para ele. Numa madruga de sexta feira dia de pagamento das firmas fechei a boca quando o sol raiou. Playboy e Ieda ficaram a noite toda enganchados no chamego. Sábado ele também apareceu e gastou uma grana federal. Saiu miando de bêbado e a nega ficou atirada na minha casa curando porte. Pernambuco e mais dois ou três chegados dele do tempo de policia estavam esperando o moleque pegar seu carrão. A primeira foi soco inglês na têmpora para o moleque ficar bem esperto. O bicho ficou atordoado no ato. Mais porrada, paulada, pancada, bicuda na boca quando foi ao chão. Pernambuco sangrou o playboy na base do canivete butterfly, nem precisou dar pipoco. Morreu de hemorragia de tanto pontaço que levou. Rosto desfigurado. E ainda levaram a carteira com talão de cheque, documento e cartão internacional dentro. Quando eu soube fiquei puto mas entendi o lado do meu camarada. Secou uma das minhas fontes de renda, mas logo aparece outra.

Agora – pelo que a gente fica sabendo pelos botecos – Pernambuco e companhia estão entocados lá para os lados de Pinhais, Fazenda Rio Grande, Almirante Tamandaré, um buraco desses aí e o Papai Deputado Federal que corra atrás do prejuízo. Ieda continua trabalhando para mim só que está avisado que não para se envolver com cliente outra vez. Senão, amigo.

Fatal.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 27/05/2011
Código do texto: T2996857
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