Os óculos

Os óculos

Dalva tinha um ciúme doentio do marido, embora do ponto de vista legal, ele fosse legal; Mario sabia como construir uma desconstrução, pois, não esquecia os mínimos detalhes, tais como, não colocar a meia do pé direito dentro do pé esquerdo do sapato, pois, conhecia histórias de mulheres ciumentas, que marcavam os pés de meia dos maridos, e conferiam quando eles tiravam os sapatos no retorno ao lar; outro detalhe era a mulher colocar tinta no dedo e abraçar carinhosamente o marido no momento em que se despediam, quando o homemsaia para o trabalho, e deixava ali sua impressão digital; no fim do dia conferia se a mancha de tinta continuava ou se teria sido lavada. Sempre que estava com alguma amiga, Mario colocava uns óculos de aros grossos de tartaruga, de vidro sem grau, para modificar um pouco a aparência; com esse e outros procedimentos, conseguia escapar sem traumas da desconfiança da mulher; quando era visto com alguma mulher e chegava ao conhecimento da esposa, ela mesma o defendia - não pode ser meu marido, porque Mario não usa óculos. Mario me contava coisas do arco da velha, como as vezes que Dalva vestia terno, colocava chapéu, bigodes postiços e ia esperar sua saída do trabalho, escondida junto a um monumento da Praça Floriano na Cinelândia; certo dia, ao perceber que a mulher estava à espreita, pegou um táxi rápido e foi pra casa aguardá-la; tirou os óculos do fundo da gaveta e deixou-os sobre a mesa de cabeceira...