SÓ DEUS SABE, SE MEREÇO! - Capítulo XV

CARO(A) LEITOR(A), ESTE CONTO É ESCRITO EM CAPÍTULOS. PARA ENTENDER A HISTÓRIA SUGIRO A LEITURA DOS QUATORZE CAPÍTULOS ANTERIORES. UM ABRAÇO. MARIA LÚCIA.

Nós sofremos muito com a sua doença, não pelo trabalho que ela dava, mas por vê-la de tal maneira. Só quem a conheceu pode afirmar sobre ela. Escrevendo ninguém pode avaliar. A gente não consegue transcrever. Era uma pessoa que não se embaraçava com nada. Não chorava: resolvia.

Depois do acidente, coitadinha, tinha crises horríveis. Lembro-me de todas as coisas que fazia, pois ficava ligado a ela vinte e quatro horas por dia, direta ou indiretamente. Os médicos me adiantaram que o acidente afetou o seu cérebro quase no total e ela iria viver momentos de completa alucinação e outros, que nem parecia ter sofrido nada. E a verdade está aí. Esse conto ela começou bem depois do acidente e se lembrava até de coisas da infância, mas nas crises não reconhecia ninguém, nem eu, nem os filhos, ninguém. Acho que em seu pensamento era só uma pessoa. Tanto fazia, se fosse eu, se fosse Armando Júnior, ou o pai, ou Eliane, ou Elizabeth. Todo mundo era moço, moça, menino ou menina, nunca disse o nome de uma pessoa sequer, nas crises.

* * *

Um certo dia foram na loja atrás de mim, porque ela estava no telhado da casa e ninguém a fazia descer. Cheguei e falei com ela:

- Ei, moça! Desce daí. O que você está fazendo aí?

- Oi, moço! Eu estou tentando sentir a sensação que um gato sente ao subir nos telhados.

- Agora que você sabe, desce! - falei aflito, mas sem ela perceber, pois se demonstrasse ela era capaz de pular lá de cima e o telhado aqui de casa não é muito baixo. Então ela falou:

- Por que em vez de descer porque você não sobe também, moço?

- Pra quê?

- Pra você sentir também como o gato. - quando ela fazia esse tipo de convite a gente era obrigado a aceitar se não quisesse passar por vexame maior.

Resolvi então subir no telhado. Você nem imagina o que ela inventou: brincar de cão e gato.

- Agora que você virou gato, eu sou uma cadela e vou te pegar. Ah! - deu um grito e saltou para cima de mim. Se não quis ser todo estraçalhado por seus dentes, tive de pular de uma altura, que você nem imagina. Graças a Deus, só torci o tornozelo, mas nada de grave. Ela desceu na hora que bem quis. A gente só ficou de olho para ela não se machucar.

No mesmo instante que estava esperta, subindo em muros, telhados e árvores, já lhe dava uma depressão e ficava trancada no quarto por dias e dias, só deitada. Para comer dava o maior trablaho. Coitadinha! Secou. Antes do acidente era uma mulher forte, gorda, pesava quase oitenta quilos e quando morreu não passava de cinqüenta. Sofreu muito, minha Helen. Eu pedia tanto a Deus que a curasse... mas não foi da Sua vontade e Ele a quis para Ele.

Valeu todos os momentos que vivemos em companhia um do outro.

Na saúde, vivemos grandes momentos de satisfação, prazer, amizade e tudo de bom.

Na doença, dediquei-lhe tudo de mim, mas mesmo nos momentos de lucidez, gozávamos uma grande amizade e simpatia.

Não vivemos mais maritalmente, mas nada me importava a não ser sua saúde. A saúde era a coisa mais importante. Eu queria me enganar, dentro de mim mantinha uma esperança, que ela sarasse e voltasse a ser uma pessoa normal, mas os médicos já haviam me colocado na realidade. Eles sempre me diziam que Helen não seria mais uma pessoa normal. Nunca mais eu a veria como ela era. Isso pra mim era o fim do mundo. Às vezes era até blasfêmico e questionava a Deus. "Por que, Senhor, o Senhor me deu tão pouco tempo tempo ao lado de Helen?" "Será que não merecia um pouco mais?" "O que eu fiz para tamanho castigo?" Mas no mesmo momento pedia perdão a Deus e agradecia o pouco tempo que ficamos juntos.

Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles
Enviado por Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles em 24/11/2006
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