Cotidiano IV. Prazeres Citadinos.

São Paulo, 10 de abril de 2.000.

Rimou, mas não obtive solução.

11.04.2.000 – manhã.

Raspei a cabeça no salão dos cabeleireiros homossexuais. Caminho em direção à biblioteca; chupo uma bala para espantar a fome e escrevo agora informando tudo, inclusive de ontem, em que, após um dia inteiro acalentando desejos, sobre fazer ou não fazer uma prova para a qual não tinha estudado, mas que meu conhecimento me permitia fazê-la, fiz, e não só fiz, como fiz bem, com riqueza de detalhes. Começo a acreditar no enfrentamento.

O clima nos primeiros dias de abril do ano dois mil está uma maravilha!

Durante a tarde, vácuo, rua suja, buraco do metrô, motel (muks = abreviatura inglesada de muquifo), nomes ou locais que, aparentemente horripilantes, soam bem nos meus ouvidos.

É noite e encontro-me agora em seu princípio, num grande estabelecimento comercial onde comerciam lanches, salgados e sucos podres ou estragados.

Sabendo disso tudo, você poderia se perguntar: e porque então você está frequentando? No que a resposta seria: faltam alguns dias para meu pagamento, e meu dinheiro está nas últimas.

Um leve sentimento de depravação toma conta de meu ser, e me pergunto: estes serão meus últimos instantes? Ou os últimos serão os próximos? Sempre soube que eu não era homem de uma só mulher! Confissão de jovem, à qual eventualmente não se deva levar muito em conta na atual conjuntura de minha existência nesta “Paulicéia Desvairada”.

12.04.2000 – tarde.

Pela manhã estourei-me fisicamente no Parque do Ibirapuera: corrida, barra, cavalete e flexão. Malhei como nunca.

À noite terei novas decisões. A falta de grana me atormenta, mas mereço, uma vez que utilizei muito indevidamente. Isso vem como um castigo devido às burradas da vida que aos montes andei perpetrando.

É fim de tarde e continuo no setor de trabalho, Torre do Banespa, 9º andar – Banesprev, lendo “A Consciência de Zeno”, ótimo livro, em que o personagem principal luta desesperadamente contra o tabagismo.

Decidi não usar mais relógio, pois a merda tornou-se inútil numa cidade que é o próprio relógio. Todo local que vou tem reógio, e não tinha lógica, a não ser como ornamento, que não faz meu estilo, eu ficar com o incômodo objeto no pulso, como um peso a mais.

Princípio da noite. Vou-me embora direto, sem parada, rumo ao lar.

13.04.00 – manhã.

É quinta feira, mas estou descansado. Ontem foi um dia puro para meu corpo; agora, biblioteca.

O tempo dentro dos estudos e aprofundamentos se escoa rapidamente.

Já é hora do almoço. Aproveitarei enquanto posso do restaurante do Banespa. Meu tempo é escasso. Estou lúcido in extremis, passei a manhã lendo livros diversos, revistas, jornais.

Procuro um emprego, no mínimo seiscentos reais. A vida passa e não vejo a hora de dar um jeito em minha condição financeira, ajudar quem precisa, quando puder; minha vida é destinada a isso.

Duas horas da tarde e tenho, como solicitado pela chefia, de apresentar um relatório dos últimos andamentos processuais.

No fim da tarde, diante a multidão enfurecida, saindo de seus empregos, percebo o quando é difícil a ignorância. É difícil suportar tanta pobreza, tantas necessidades, enquanto outros esbanjam saúde e posses...

14.04.00 – manhã.

Parece que estou ficando com corpo de gripe. Todo dia, quando levanto, quando trabalho, estudo e, no final, deito na cama, mentalizo os dias e anos na Capital, a vida das pessoas grandes e pequenas, como se esforçam em meio a esta parafernália de concreto e latas, poluída de todos os lados e maneiras... Sinto angústias...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/06/2011
Reeditado em 14/06/2011
Código do texto: T3033654
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