Depoimento: maratona de São Paulo 2011

A viagem reunia lazer e obrigações. Para mim, corrida, especialmente a distância da maratona, é definitivamente uma aventura, porém, naquela conjuntura envolvia uma certa dose de trabalho. Tinha uma missão a cumprir. Uma dúvida me acompanhava durante a semana. Deveria seguir o que foi proposto na minha “frase criativa” da promoção – usar os 42km em São Paulo como mais um longão preparatório para o Rio, um mês depois - ou aproveitar o momento e dar o máximo? Eu tinha duas oportunidades, mas apenas uma chance de me aproximar do tempo de 4h. Acompanhando o clima em São Paulo ao longo da semana, o calor aumentava dia a dia. Cada 1ºC a mais na temperatura representava segundos a mais na minha previsão de pace (min/km), uma medida de tempo gasto em cada quilômetro percorrido.

Linha de largada, temperatura muito mais alta que o esperado. Definitivamente não era o ideal para tentar me aproximar da meta. Mas nada garantia que teria condições melhores dia 17 de julho, no Rio. Interrogações dominavam a mente... A melhor estratégia parecia usar a oportunidade pra fazer um ótimo treino e curtir o momento. Completar os 42km sem a pressão do relógio. Começo a correr tranqüilo e fico atento às reações do corpo. Intimamente, me causava incômodo apenas completar a prova, sem dar o meu máximo. Afinal, ainda que as condições não fossem tão favoráveis, eu tinha ganho essa oportunidade! “Bom, estou aqui e vou cumprir a minha jornada da melhor forma possível, rápido ou lento.” Essa era a idéia.

Para correr uma maratona, há duas estratégias muito usuais: a mais comum é começar mais lento e, se possível, acelerar apenas no final; outra é tentar manter a velocidade compatível com o tempo final desejado ao longo de todo o trajeto. Resolvi testar algo diferente. Faço os primeiros 10km no ritmo médio desejado (5:40 – 1 km em 5 min e 40s), depois acelero. Aproveito que ainda estou com forças plenas e que a temperatura ainda está mais amena. Depois, quando o cansaço apertar, posso reduzir. E na parte final vejo o que sobra. A partir do 11º km, acelero para algo em torno de 5:20 – 5:30. Isso vai até aproximadamente o 23º km, quando passo por um trecho no sol. Era hora de reduzir e seguir sem sofrimento até o final.

Quando completo o 32º km, verifico o relógio e me assusto. Estou com 3h de prova! Completar 10 km em 1h não seria um desafio tão grande e cumpriria logo a missão desportiva do ano! Tenho poucos minutos pra resolver o que fazer. Se fosse lutar pelas 4h, seria um caminho sem volta. Outra tentativa, possivelmente só em 2012! O corpo parece estar bem; a mente, motivadíssima. Minha dificuldade no 38º km, na minha primeira maratona, há pouco mais de um ano, parecia um fantasma. Estava ótimo e subitamente fui obrigado a reduzir drasticamente naquela vez. O que fazer?

“É hoje, vamos firmes! O calor tá forte, mas o abastecimento é ótimo. É hoje!” Encaixo uma velocidade compatível com a chegada em 4h e sigo com cautela. Todo cuidado é pouco. Não preciso fazer muito abaixo da meta, mas não posso ser mais lento... O trecho final do trajeto em São Paulo é repleto de terríveis túneis. Numa cidade sem morros, eles não cortam montanhas como no Rio. São como o mergulhão da Praça XV. Descidas e subidas fortes, que massacram as pernas. Para manter uma velocidade média compatível, era preciso descer rápido, para não ter o tempo comprometido pela subida lenta. Isso, depois de mais de 30 km, não é legal, eu garanto! A expressão “luz no fim do túnel” nunca foi tão interessante. Mesmo representando um retorno ao calor.

A partir do 30km, surpresas podem ocorrer. Definitivamente o momento interessante da maratona se desenrola entre os quilômetros 32 e 40. Os especialistas dizem que há importantes mudanças fisiológicas nesse momento. Existem algumas expressões conhecidas sobre esse trecho da prova: “Bater no muro” - barreira representada pelos 30km e seus desdobramentos - ter um “urso nas costas”, entre outras. Naturalmente, nenhuma metáfora agradável.

Descidas e subidas com algum sofrimento, mas sigo com tranqüilidade. Fôlego ótimo, pernas cansadas. Meu treinamento não incluiu ladeiras! Decido acelerar no final, mas sem exageros. O objetivo era garantir a chegada no prazo, sem atenção para segundos a mais ou a menos. Sábia decisão. Nos últimos 300 metros, as ladeiras cobraram o seu preço. Sinto câimbras. Nada que atrapalhe a chegada. Missão cumprida! 3h 57min 51s!

Para mim, a maratona é tão especial porque representa uma excelente metáfora da vida. Treinamos, planejamos, mas sempre nos deparamos com surpresas. Razão e emoção em doses diversas. Correr uma maratona é abraçar o inesperado. E não importa como foi a jornada, o sorriso na chegada é tão certo quanto as dores no dia seguinte. A preparação e o dia da corrida testarão sua resistência física e mental. Por isso, do primeiro ao último; em pouco mais de 2 ou de 6 horas, somos todos vencedores. A experiência de correr 42.195 metros é marcante. A pessoa que chega é, ao menos um pouquinho, diferente da que larga. É uma experiência intensa.

Ei, você! Que tem vontade, mas ainda não correu a maratona, ainda tem dúvidas?

ARunning
Enviado por ARunning em 21/06/2011
Código do texto: T3048484
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