ESTUPIDEZ

E S T U P I D E Z

Era uma vez uma menina bonita e um homem muito feio. Se cumprimentaram:

- Olá!

- Olá.

- Desculpa, gostaria de saber seu nome.

- Eu também não sei o meu nome.

- Chamam-me “Puleiro”.

A menina sorriu e emendou:

- Eu também tenho um nome, só não devo dizê-lo a estranhos.

- Se mo dizer não seremos estranhos, talvez venhamos a ser amigos.

O homem muito feio sentou-se e ficou esperando ela dizer-lhe seu nome.

A menina relutou com seus ensinamentos, mas a simpatia aliada à feiura do homem derrubou suas resistências:

- Meu nome é Rosa.

- Seu nome é tão bonito quanto você, Rosa.

- Posso fazer uma pergunta, Puleiro?

- Pode fazer quantas perguntas quiser.

- Você nunca briga por chamá-lo de feio?

- Até que poderia brigar, mas seria uma frustração a mais, para as pessoas que se sentem fruatradas por me fazerem esta pergunta.

- Não sinto nada disso conversando com você.

- É por que você está a cima destas bobagens.

O tempo passou, o homem ficou velho e a menina cresceu. Ele ficou conhecido como Zé Puleiro e ela como Rosa Chiqueiro.

Se casaram. Depois do tempo de amor veio o tempo da televisão.

Zé diz: Às vezes eu odeio humoristas intelectuais.

Rosa diz: Por quê?

Zé diz: Porque gosto de dar risadas com gosto, não com pensamento.

Rosa diz: Mas não é a mesma coisa homem de Deus?

Zé diz: É não.

Rosa diz: E quando é isso?

Zé diz: É quando dou risada de alguma tirada simples deles, mas me sinto um idiota.

Rosa diz: Mesmo que não tenha ninguém por perto?

Zé diz: Principalmente.

Rosa diz: Você gosta de algo simples, tão simples que quase chega a ser patética, è?

Zé diz: Sim, mas é genial.

Rosa diz: Conforta-te, é?

Zé diz: Vou às nuvens!

Rosa diz: Isso também acontece comigo!

Zé diz: Só de imaginar dou boas gargalhadas.

Rosa diz: Vamos dormir que já se faz tarde.

Zé diz: Precisamos de um fim de semana para nos entendermos novamente.

Tudo era perfeito, só ele e ela. Foi num daqueles fins de semana que todos adoram. Hotel era belíssimo, a vista calma, uma calma insuportável até, tudo estava bem. Sentia-se o amor naquele quarto, na cama, no chão, tudo era um palco perfeito.

Ele sabia que a amava. Ali existiam, ele e ela, nada mais. Foram jantar, ele vestiu aquela camisa que ela tanto elogiava, estava bonito, sentiam se felizes. Ela, como sempre elegante, charmosa, como estava bonita! Bela!

Pediram os pratos e uma garrafa de vinho tinto, a música tocava. O restaurante estava cheio, mas apenas se viam; mais ninguém. Falaram pouco, mas para que as palavras? Riram, dançaram; sentiam-se levitando. Quando as mãos dela tocaram no zíper da calça, ele sentiu desejo, queria ali mesmo. Foram embora, já era tarde e a noite estava fria, mas como estavam felizes!

A meio caminho ela começa a falar.

- Sabe Zé, as coisas não estão bem.

- Na empresa?

- Não, na minha vida (nossa) vida.

- Na nossa vida? O que se passa com a nossa vida?

- Sim, tudo está mal, eu estou mal.

- Explica-te, não estou percebendo nada desta conversa.

- Sabe, aquela viagem que fiz há uns meses?

- Sim o que tem a ver com a gente.

- O Zó também foi e...

- E o que Rosa?

- Não entendeste o que te quero dizer?

- NÃO! Quem é o Zó?

- O outro.

- Diga logo o que se passa de uma vez por todas?

- Ora bolas! Não quero entrar em detalhes.

- Mas não me faças de estúpido.

- Eu ando com ele... Aconteceu, não queria, mas... não mando no coração...

- Gosta dele, é isto?

- Não sei dizer ao certo. Só não quero te enganar.

- FODA-SE!!! NÃO ACREDITO!!!

- Talvez devesse não acreditar, mas é verdade.

- Quer dizer que sou corno?

- Não seja mórbido, nas coisas do coração não...

- Coração? Amor? Ora bolas! Não me venha com esta falsa moralidade!

- Eu tinha que te contar, já não agüentava mais.

- Fui um estúpido, né? Para não dizer idiota.

- Aconteceu Zé...

- Sim eu sei... nunca percebi nada.

- Não queria e não quero te magoar.

- Fui um parvo.

Num casamento as necessidades e desejos têm que ser proporcionais ao gozo e o amor, se não tudo morre num momento ou noutro. Para realmente dar certo as perdas e ganhos também têm de ser proporcionais ao gozo e o amor; contrabalançados com desejos e necessidades.

As almas dos dois têm que saírem na mesma foto, sem manchas e na plenitude da beleza interior de ambos. Têm de conhecer cada ponto dentro dela e ela dele. Não pode haver labirintos.

(outubro/1993)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 22/06/2011
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