Quanto tempo dura a felicidade?

Augusta acordou muito tarde, como sempre. Fatalmente não conseguiria levantar, tomar café e vestir-se a tempo de estar às oito horas no trabalho. Olhou para o lado, o travesseiro estava vazio, o lençol, frio e esticado. Ou Juarez levantou-se muito cedo, ou, hipótese mais provável, haviam discutido mais uma vez. A amnésia alcoólica, resultado do abuso da noite anterior, não lhe permitiria ter certeza alguma. O decorrer do dia traria as respostas...

Como não adiantava mais correr para chegar a tempo, fez tudo com calma: levantou-se, foi ao banheiro para escovar os dentes e tomar uma ducha bem fria. No banheiro, outro sinal de que as coisas não andavam bem. A toalha de Juarez estava totalmente seca, assim como sua escova de dentes. Parecia que Juarez não havia dormido em casa. E isso só acontecia após uma briga, pensou Augusta, ainda mais intrigada. Embaixo do chuveiro a ressaca já passava despercebida — a pontada em sua cabeça agora era resultado apenas do esforço em tentar lembrar o teor da discussão.

Terminou o banho, começou a enxugar-se e, como a ansiedade só aumentava, não conseguiu executar suas rotineiras ações com a precisão de sempre. Não teve paciência de eliminar todas as gotas d'água de seu corpo e, na parte ainda molhada, espalhou o hidratante, fazendo uma verdadeira lambança. Vestiu a camisa no corpo ainda molhado e teve de trocá-la. Esqueceu-se do desodorante. Tentou colocá-lo depois de já estar com a blusa, manchando-a. Mais uma troca. Começou a ficar irritada consigo e, enquanto experimentava vários brincos sem se definir por nenhum, forçou a memória na tentava de que viesse à tona algum flash revelador da noite anterior. Lembrou-se de Juarez apontando o dedo indicador freneticamente em direção ao seu nariz. Mau sinal, ela pensou. A imagem sumiu na mesma velocidade em que veio.

Calçou os sapatos, enrolou um lenço no pescoço, voltou ao banheiro, onde pegou o secador com a intenção de modelar seus cachos. Enquanto o vento quente soprava em sua direção, forçou um pouco mais a memória em busca de alguma palavra ou imagem que justificasse a ausência de Juarez em sua casa. Nada... Por que eu bebi tanto? — ela se perguntou.

Estava se dirigindo à cozinha para começar a coar o café, quando mais um flash da noite anterior invadiu seus pensamentos já um tanto depressivos e desesperançosos. Era ela mesma, abraçando um "indivíduo" na festa. Abraçando-o com todo teor de interesse que uma mulher pode ter por um homem. Ao menos, foi o que lhe pareceu pela imagem que invadiu sua mente por segundos. Meu Deus, pensou, será que Juarez viu essa cena e nós brigamos? Pior, será que ele bateu no cara? Será que me bateu? Augusta verificou centímetro a centímetro de seu corpo em busca de algum hematoma: olhou pelo braço, buscou pistas de beliscões e arranhões. Talvez não tivesse sido o rapaz, o alvo. Mas não descobriu nada...

Coou o café, serviu-se em uma xícara, alcançou um pequeno pão francês e deu uma mordida. O estômago embrulhou... Resultado do excesso de vodka. Tomou mais um gole do café e passou mal... Lamentou mais uma vez ter bebido tanto e praguejou o clássico "nunca mais vou beber na vida".

Pensou em algo que pudesse aliviar seu mal estar, talvez alguma medicação, um desses "ovs" da vida ...Tomou um comprimido com água e novamente lembrou-se de haver esquecido de tomar o tal do comprimido antes. Um antes e um depois... Um antes e um depois... Ficou repetindo a frase para si mesma, quando mais um flash invadiu sua mente. Era Juarez entrando no carro e cantando pneu pelas ruas. Bem, pensou, definitivamente não dormimos juntos. Mas por quê?

Buscou o celular, não havia chamadas dele. Mas havia a mensagem de uma amiga. Augusta abriu-a. Estava escrito: você está melhor? Não! pensou. Não estou nada, nada melhor. E o pior é que estou só piorando a partir de uma situação que não faço ideia de qual seja, disse em voz alta, quase aos gritos. Meu Deus, do quê devo me arrepender? Esbravejou. E ligou para a amiga em busca de algum esclarecimento. Em vão... Ninguém lhe atendeu.

Poderia ligar diretamente para Juarez, mas faltou-lhe coragem. Seguramente ele não iria atender, era como agia quando os dois brigavam. Dava-lhe um gelo de pelo menos um dia inteiro. Nada mais a fazer, pegou a bolsa que estava em cima da mesa e, a passos firmes, abriu a porta na intenção de momentaneamente focar no trabalho e esquecer o assunto. Augusta saiu de casa e começou a caminhar pelo imenso corredor em direção ao elevador. O pacto consigo mesma de esquecer o assunto foi rapidamente quebrado. Voltou a ficar se martirizando e tentando lembrar o porquê da discussão. De repente, seu coração gelou ainda mais. Hoje era o dia em que ela e Juarez estavam fazendo quatro anos de namoro. Durante aquela profusão de pensamentos confusos e sem solução acabou se esquecendo da data. Sempre comemoravam. E a cada ano a comemoração ficava melhor. Lembrou-se de que, no ano anterior, Juarez havia lhe surpreendido com uma cesta de café da manhã e a sequestrou para um belíssimo jantar a luz de velas a bordo de um pequeno barco especializado em datas comemorativas. Foi uma noite realmente inesquecível. Juarez sabia mesmo como ser romântico. E agora o único pensamento que invadia a sua mente era que o fim de seu relacionamento estava próximo...

No final do corredor, Augusta avistou um entregador de flores com um lindo ramalhete em suas mãos. Nossa, pensou, devem ser para mim. Afinal Juarez não estava magoado e havia lhe enviado flores como de costume. Ou talvez já houvesse lhe perdoado. Ou, quem sabe, tudo fosse um tremendo engano de sua parte. Traída por seus pensamentos... Quem sabe sua mente realmente houvesse criado toda aquela farsa a partir, talvez, de um grande pesadelo? Sim! Havia chance para a felicidade, Juarez ainda a queria, ou não estaria enviando-lhe flores. E seu coração, a cada passo em direção ao entregador, enchia-se de luz, de esperanças. As rugas de preocupação sumiram num piscar de olhos e ela voltou a sorrir. Os pensamentos ruins foram rapidamente substituídos por novos e positivos. Augusta ficou se imaginando nos braços de Juarez, comemorando a data, agradecendo as flores... Quem sabe teriam uma belíssima noite de amor. Foi quando ela e o entregador se aproximaram e ele perguntou, já estendendo o bouquet de flores em direção a Augusta:

— A senhora é a dona Manuela?

Anoushe Duarte
Enviado por Anoushe Duarte em 01/07/2011
Código do texto: T3069044
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