Cama Panorâmica

Nem toda situação difícil tem de ser trágica ou carregada de sofrimento. Às vezes a dificuldade maior está no modo que enfrentamos o obstáculo. Querem saber porque? Vou contar!

Existe uma doença, bem conhecida, da família do reumatismo, chamada "Artrite Reumatóide". Doença mal educada, invasora de espaço alheio que, mesmo não sendo convidada para entrar em nenhum corpo, ela chega, instala e toma conta como se tudo estivesse abandonado ou se fosse uma área dissoluta, onde não se produz nada.

Realmente o Artrite age como um sem teto que invade os ossos alheios, sem ao menos perguntar se o proprietário concorda ou não. Ele chega de mansinho, como quem não quer nada, se camufla muitas vezes para despistar o diagnóstico médico, se aloja em uma articulação periférica, depois vai se ramificando atingindo outras áreas saudáveis.

Dai! Pimba!

Quando o proprietário do corpo percebe, seu patrimônio ósseo está todo tomado.

Comigo aconteceu assim!

O Artrite chegou, se alojou nas mãos, passou para os braços e por fim tomou conta. Sugou o néctar precioso que irrigava todos os encontros de ossos conhecidos como juntas e os deixou rígidos como aço, sem nenhum movimento.

Para completar o quadro da minha história, que não é ficção, é real e atual, eu ainda fui premiada com o tipo de Artrite Reumatóide Juvenil!

Pasmem!

Essa doença, além de invasora, mal educada, sangue-suga, ainda é adolescente ou melhor aborrecente!

Mas! Como eu disse no início da minha história. Nem tudo está perdido, o mal não vence o bem quando a caixinha encefálica funciona. O meu patrimônio esquelético foi invadido mas a fé e a coragem estão prontos para combater os indesejáveis habitantes.

Você, leitor, pode estar estranhando toda essa argumentação; eu disse que ia falar de uma cama panorâmica e até agora só falei do Artrite Reumatóide, esse hóspede inconveniente.

Calma! Antes de explicar esse título, eu precisava dar uma resumida nos meus últimos 20 anos, dos quais, 13 deles vivo dioturnamente em uma cama hospitalar.

Ah! Agora cheguei onde queria, a minha cama hospitalar panorâmica!

Muitos vão rir, eu sei, vão me achar maluca!

Como alguém há 13 anos sem movimento em quase todo o corpo, esqueléticamente fóra de forma, além de toda malhada . . . Hum! Ia me esquecendo de dizer! Como se não bastasse o Artrite instalado arbitrariamente, ele ainda trouxe alguns familiares, tão inconvenientes quanto ele, para dividir o alojamento.

Chegaram como quem vem apenas por uns dias e foram ficando. São eles: "infecção urinária" e o "vitiligo".

Esse último gosta de marcar presença, transformou todo o meu visual epidérmico em uma pele rendada com manchas de alto poder chamativo.

Voltando à cama panorâmica, tenho a dizer que, mesmo em meio a tantos fatos marcantes, encontrei um ponto deslumbrante e apaixonante que me fez esquecer __ mesmo que por instantes __ a realidade, passando a viver o imaginário. Geralmente fico na sala da minha casa, acomodada em minha querida cama panorâmica toda branca, com alavanca de suspensão e colchão especial, de onde observo tudo o que acontece ao redor, desde o andar apressado e perigoso de uma formiga atravessando a sala, correndo o risco de ser pisada por alguém, como o revestimento de madeira que cobre as lajotas do teto.

Na minha existência horizontal, ou seja, deitada em minha cama, tenho um espetáculo de desenhos que se formam com os nós da madeira de pinus que estão acima da minha cabeça. Quando olho fixamente para o teto, descubro um mundo diferente, com sua fauna e sua flora. Além de vários fenômenos da natureza.

Na área que fica acima do lugar onde eu durmo, vejo muitos pássaros em diversas posições e atividades. Tem a mãe dando comida no bico do filhinho, tem alguns pássaros em vôo rasante e rápido, tem ainda pássaros namorando, se coçando, nadando ou simplesmente tranquilo em seu canto. Vejo também muitos troncos de árvores, uns caídos outros caindo, e uma enorme quantidade de flores variadas. O que mais tem são: olho de furacão, olho d'água e dunas que parecem bailar em todas as direções. Por várias vezes fiquei intrigada vendo alguns nós na madeira de pinus do meu teto que ainda não consegui decifrar, são imagens indecifráveis como um quadro pintado por Deus onde só Ele pode dizer o que é.

Dia após dia, cá estou eu, em minha cama panorâmica. Olhos fitos no teto, usando a imaginação para descobrir mais coisas entre os desenhos ali existentes. Estou também hospedando – mesmo que sem querer – o destruidor de ossos, Sr. Artrite Reumatóide e o mascarado vitiligo que não foram convidados a me fazerem companhia, porém, se acham com direito a alojamento devido ao tempo de casa. Afinal de contas são 20 anos de estabilidade adquirida.

Não fiquem assustados achando que estou mal! Eu não apenas perdi, também ganhei muita coisa. Tais como: a chance de me deitar em uma cama panorâmica com um cenário fantástico criado em florestas de pinus e usado como forro de teto.

Não sou uma enferma conformada, que bate palmas para o que aconteceu, mas sim, alguém que vê num simples nó de madeira de pinus, a paz que muitos procuram e que, dificilmente vão encontrar por estarem buscando em lugares errados.

O tempo vivido nessa cama panorâmica me deu a certeza de que, "A paz só traz paz, quando brota do coração".

Adijanira Rodrigues de Almeida

Deficiente há 23 anos

Djanira
Enviado por Djanira em 04/12/2006
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