A Caminhada

(Escrito para o livro "Contos de Inverno - Edição Especial 2011" - CBJE)

Eu estava a passeio em Alagoinha. Apesar do ser inverno, o tempo parecia quente, opressivo. Depois de alguns dias, encontrava-me deprimido com a falta de perspectivas de futuro daquela gente, com a inércia do lugar. Resolvi então, logo depois de um almoço, caminhar um pouco. Deixei a casa em que estava hospedado e sem destino certo, fui andando.

Passei por uma bela casa avarandada, a casa do prefeito. Na janela uma menina olhava a rua, na calçada em frente um cãozinho magro dormia.

Mais um pouco adiante, um casal idoso estava sentado à porta, olhando o infinito. Depois, passei por um bar. Alguns fregueses bebiam, uns já bêbados. Umas crianças se divertiam nas proximidades. Percebi que compartilhavam um copo e bebericavam alguma coisa. Um deles experimentou e fez uma careta. Supus ser alguma bebida.

Andei um pouco mais e saí da cidade. Na periferia algumas casas pobres, e numa delas vi duas crianças pequenas brincando na areia. Mais ao longe, um caminho que levava aos roçados.

Pelo caminho vinha um menino. Uns dez anos, vestia-se com simplicidade, um pequeno remendo na camisa, calçados bastante gastos, mas conservados. Cabelos penteados, andava com segurança, rescendia a limpeza. Curioso, passei a observá-lo. Vinha no sentido contrário à minha caminhada.

Chegou na parte pavimentada da pista e observou seu calçado, espanando com a mão alguma poeira invisível dos sapatos. Seu semblante tranqüilo exibia um ar confiante.

Ao aproximar-se dos meninos que brincavam na areia, foi recebido com alegria. Fez um cafuné em cada um. Uma mulher surgiu à janela e o cumprimentou, ele retribuiu com um sorriso.

Depois, seguiu seu caminho. Perto do bar, discretamente cruzou a rua para o outro lado. Os meninos que compartilhavam o copo de bebida olharam para ele e ocultaram o copo, como que receosos que fossem vistos em atitude errada. Ele passou e acenou discretamente para os meninos.

Eu o seguia mais atrás, interessado. Depois do bar, cruzou novamente a rua. Parou junto ao casal idoso que contemplava o infinito e gastou uns minutos conversando, deixando-os sorridentes.

Ao aproximar-se da casa avarandada a menina já estava do lado de fora, e o recebeu com alegria. Ele subiu as escadas. Nesse momento surgiu o pai da menina, um senhor vestido com elegância, o Prefeito. Beijou a menina, apertou a mão do menino, despediu-se e ganhou a rua. A mãe da menina apareceu em seguida, entregando-lhe o material escolar, e cumprimentou o menino, beijou a menina. Em seguida as crianças desceram a escada. Já na calçada o menino ofereceu a mão à menina. A mãe esboçou um discreto sorriso, e ambos seguiram em frente, de mãos dadas.

O cãozinho que dormia acordou e abanou o rabo. O menino tirou um pedaço de pão de sua merenda e jogou para ele. O cão comeu avidamente, e por um bom pedaço caminhou ao lado dos dois.

Caminharam assim até a escola, conversando. No pátio muitas outras crianças. O menino largou a mão da menina e foi conversar com outros meninos. A menina foi para o outro lado e logo encontrou suas amigas. De longe, ambos se observavam, trocavam olhares felizes. Do lado de fora eu observava, e contagiado por eles sorri.

E então prossegui em minha caminhada. Ouvia agora o sussurro suave do vento e o canto alegre dos passarinhos. Tive minha disposição renovada. Senti as carícias do sol em seu calor. Nos olhares felizes daquelas crianças, eu tinha visto paz, esperança e amor...