POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

Chagaspires.

Camaragibe é uma cidade que fica entre montes. La nasci, passei toda infância e de lá só sai depois de haver casado.

Hoje pertence ao Grande Recife e a distância entre a Metrópole Pernambucana e ela, está bem mais curta, pois o progresso tecnológico se encarregou de diminuir com seus possantes meios de transportes. Porém naquele tempo haviam costumes muito parecidos com uma cidadezinha de interior, e o dia a dia dos moradores seguia a passos lentos, uma rotina agradável e simpática.

Dentre as curiosidades apresentadas estavam às influências da Igreja Católica.

Como qualquer outra cidade Brasileira, os hábitos Cristãos eram percebidos com bastante força, pois os exploradores trouxeram com eles os dogmas do catolicismo e impuseram a religião aos nativos.

A vila foi construída no entorno de uma fábrica de Tecidos chamada Companhia Industrial Pernambucana, não mais existente nos dias atuais.

Seus donos eram pessoas católicas e muito influíram para que os operários seguissem a Religião Romana.

A escola da Corporação era administrada por Irmãs da Sagrada Família e por padres do Sagrado Coração de Jesus que se encarregaram entre outras coisas de difundir as origens e impor as práticas de tão sagrados ensinamentos.

A própria Fábrica possuía uma capela dentro de seu patrimônio.

Essa capela era consagrada ao Sagrado Coração de Jesus.

Possuía como administrador das coisas divinas um sacristão; pessoa que se encarregava da zeladoria da igreja e da gruta de Lourdes, e entre outras coisas cuidava dos paramentos e alfaias da liturgia.

Era ele quem também se comunicava com a sociedade Camaragibense através dos sinais sonoros promovidos pelo sino da Igreja para alertar aos devotos os horários das missas entre outras coisas, e acontecimentos que se faziam importantes para os paroquianos.

O nome dele era Jorge, com certeza dado pelos seus pais em homenagem ao santo guerreiro.

Era casado com d. Caetana Maria.Tinha uma numerosa prole e entre os filhos se encontravam: Lau, Adauto, Hosana, Luiza , Dehon eTarcisio, que viria a ser mais tarde Coronel Dentista da Polícia Militar de Pernambuco, e foram meus amigos de infância.

Seu Jorge como era conhecido, era um cidadão íntegro e de honestidade incontestável; foi ele quem me ensinou a tocar o sino da igreja.

As missas durante a semana eram logo pela manhã, e só existia uma no horário das 06.00 horas.

Só no domingo havia três missas. Uma as 06:00, outra as 08:00 e uma as 18:00 horas.

As chamadas para essas missas eram tocadas da seguinte forma: uma batida forte e após alguns segundos, diversas batidas repetidas com a mesma intensidade numa quantidade de mais ou menos vinte a trinta badaladas; havia uma pausa e mais uma batida que queria dizer a primeira chamada. Passado uns dez minutos a coisa se repetia só que no final seriam duas badaladas, e finalmente com mais dez minutos outra série de batidas idênticas, sendo encerrada com três batidas anunciando a terceira e última chamada e a missa logo se iniciava.

Eram batidas festivas que anunciavam o santo ofício.

Só nos dias de finados é que o sino era substituído pelas matracas, batidas pelas mãos dos ajudantes de missas. Eles passavam pelas ruas da vila da Fábrica anunciando a liturgia.

As batidas que mais me constrangiam eram as que anunciavam a morte e o enterro de algum Cristão. Eram batidas dolentes e sentidas, que causavam um aperto no coração; onde o próprio Seu Jorge, se encarregava de providenciar.

Essas batidas eram cadenciadas com um toque e logo após mais dois e durante vários minutos eram ouvidas e parecia que o vento as carregava para bem mais longe anunciando o final de alguma existência.

Essas badaladas me seguiram quando eu enterrei a minha tia Conceição, a minha avó Maria ainda criança. Algum tempo depois já casado, foi à vez de minha mãe Nina, de meu irmão Carlinhos, de meu pai Lopes e de muitos outros parentes que os seguiram.

Hoje depois de muito tempo, aquelas batidas que se perderam no passado, foram relembradas quando aluguei uma casa numa cidade próxima ao Recife chamada Gravatá. Onde muitas pessoas abastadas tem casas de campo, pois está situada logo após a serra das Russas e possui um clima frio. Lá ainda é forte a tradição das badaladas do Sino; e seguem o mesmo sistema das de Camaragibe de meus tempos.

Sempre que ouço as batidas compungentes do velho carrilhão, fico a imaginar: “Por quem será que os sinos dobram”; e meu velho coração se pôe a chorar, lembrando de todos aqueles que já se foram.