Era o circo que passava pela minha rua...

Era sempre aos domingos. Às vezes fazia sol, outras vezes chovia...

Era ali, na esquina das Avenidas Moreira Guimarães e Miruna, próximo ao Aeroporto de Congonhas. Dava até para ir a pé.

Era só cortar caminho pela Avenida Ceci, virar à direita na Aratãs, e dali, já dava para ver o enorme tabuleiro de xadrez.

(...) E como voavam rasantes aqueles imensos pássaros prateados.

Depois, era só ter cuidado ao atravessar. Pronto. Já estávamos do outro lado da rua. Agora... tudo era diversão...

Havia uma lona, uma arena, um chão de tábuas, algumas luzes, muitas cores e quatro palhaços:

O Arrelia, o Pimentinha, o Torresmo e o Fuzarca.

Era o circo que passava pela minha rua...

Ah! Que saudade do circo que passava pela minha rua !!!

(...) Por onde andarão aqueles queridos palhaços !? Os trapezistas, os malabaristas, o homem que comia e cuspia fogo, os mágicos, os contorcionistas, as bailarinas e aquela bandinha de "generais" a tocar sem parar, por onde andará, por onde andará !?

(...) Lembro-me de todos ali a bater palmas, e do Arrelia a perguntar:

“Como vai, como vai, como vai ?

Como vai, vai, vai, vai, vai ?”

E do Pimentinha a responder :

“Muito bem, muito bem, muito bem ;

muito bem, bem, bem, bem, bem...”

Depois, ainda vinham o Torresmo e o Fuzarca com todas aquelas mirabolantes cambalhotas, a tropeçar no nada, a dar ordens ao vento, pitos na chuva e rasteiras no ar...

Lembro-me bem de que lá não havia bichos, nem jaulas, nem gaiolas, nem chicotes lá havia...

Elefantes brancos, então, nem pensar...

(...) Também lá não caberiam...

E ainda tínhamos guaraná, pipocas, balas, pé de moleque, quindins, paçoca e maria-mole; tudo, tudo por conta da Companhia.

Lembro-me muito bem do Arrelia a desafiar o Pimentinha :

“Diga Pimentinha, o que é, o que é !?

Vive à margem da estrada, entre plantas e barrancos, é doce parece uva e não é uva !?"

(...) “Deixe-me ver, Arrelia, deixe-me ver.

Vive à margem da estrada, entre plantas e barrancos, é doce, parece uva e não é uva !?”

“Hmmm... Hmmm... Já sei, é a AMORA, Arrelia. A Amora vive à margem da estrada, entre plantas e barrancos, é doce, parece uva, e não é uva.”

“Muito bem, Pimentinha. Muito bem.

E o que é, o que é !?

Tem segredos, tem mistérios, tem riquezas e não é cofre !?”

E do Pimentinha a pensar:

(...)“Deixe-me ver, deixe-me ver.

Tem segredos, tem mistérios, tem riquezas e não é cofre !?

Hmmmm... Hmmmm... Hmmmm...

Já sei. É o MAR, Arrelia. O Mar tem segredos, o Mar tem mistérios, o Mar tem riquezas, e o Mar não é cofre...”

“Muito bem, Pimentinha. Muito bem.

E o que é, o que é !?

Vive calmo, vive elétrico, é alto e ilumina a rua escura!?”

(...) “Hmmm... hmmm...

Vive calmo... vive elétrico, é alto e ilumina a rua escura...

Já sei. É o POSTE DA ESQUINA, Arrelia.”

“Muito bem, Pimentinha. Muito bem.

Puxa, Pimentinha, você é demais. Parabéns!!!

E agora, para saber tudo tim tim por tim tim e tirar dez no boletim...

E o que é o que é !?

Tem A de Amora.

Tem Eme de Mar.

Tem O de Óculos.

E tem Erre de Relógio !?”

(Pimentinha põe-se a andar de um lado para o outro, e a repetir em voz alta...)

(...) “A EME O ERRE... A EME O ERRE... A EME O ERRE...

Já sei, Arrelia ... é o A M O R.

O AMOR tem A de Amora,

O AMOR tem EME de Mar,

O AMOR tem O de Óculos

e o AMOR tem ERRE de Relógio...”

“Puxa Pimentinha, você sabe tudo. Você é demais. Parabéns!!!”

(Arrelia, sem motivo aparente, consulta o relógio...)

“Agora, preciso ir, não posso me atrasar. Dá cá um abraço, Pimentinha.”

“Mas pra quê tanta pressa, Arrelia!?”

“É que A EME O ERRE e relógio fizeram-me lembrar de que à uma hora, eu tenho um encontro com a Ana Maria.”

“Hiiiii, Arrelia !!! E eu tenho um encontro com a Mariana”

"É o amor, Pimentinha."

"É o amor, Arrelia."

(Ao som daquela bandinha de "generais", com a plateia toda a bater palmas, Arrelia e Pimentinha, distribuindo alegria, retiram-se de bem com a vida...)

“Tchau pessoal... Tchau...

Até domingo, Até...!!!

Sejam felizes!!!”

O Circo do Arrelia não era o Cirque du Soleil.

Lá não havia luzes artificiais, painéis digitais, truques indecifráveis, nem efeitos especiais... Tampouco se desafiava a lei da gravidade...

O Circo do Arrelia era simples e majestoso como a infância...

O Circo do Arrelia era apenas o nosso circo...

Era o circo que passava pela minha rua...

FIM

Conto de Zizifraga.

Reeditado em novembro de 2014.

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 30/07/2011
Reeditado em 24/11/2014
Código do texto: T3129070
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