LIÇÃO DE MACACO

Por Úrsula Silva da Silveira

Estamos numa selva de pedra mesmo! Na defesa da sobrevivência impera a lei do mais forte. Só o mais forte sobrevive. É matar ou morrer. Além disso, o meio seleciona os mais capacitados, sendo que os demais desaparecerão. Para se tornarem mais fortes, as pessoas procuram andar em grupos sociais. Porém, nesse aspecto, o paradigma silvícola orientacional não foi totalmente observado pelo homem. Porque sua racionalidade fez com que criasse meios irracionais de vida, ao passo de que na selva a irracionalidade dos animais fez com que, por meio do extinto de sobrevivência, criassem meios mais racionais de vida.

Eu e principalmente, meu marido descobrimos isso. Seu nome é Mauro da Silveira, tem quarenta e cinco anos, temos um filho chamado Denerval Silva da Silveira de cinco anos. Meu marido é diretor de uma grande financeira com filiais no Brasil e no exterior. A unidade em que ele está lotado é no Espírito Santo. Ele, todo o dia ao acordar, me dá um beijo, e sem ainda tomar o café, pega imediatamente o laptop e o ipod para responder seus emails, ver como está o mercado e outras informações que um executivo precisa ter para começar bem o dia. Se as informações são péssimas, fica nervoso, não toma o café da manhã satisfeito, se arruma rápido, mal se despede de mim e vai para o trabalho injuriado. E o filho? Este ainda nem acordou, porque estuda à tarde. Denerval já acostumou com a ausência do pai, que ao chegar de noite, após suas treze ou quatorze horas de trabalho, encontra o dormindo. Mas Mauro faz o quê pode. Procura compensar essa ausência paterna com brinquedos, jogos e passeios etc.

Desce o prédio pelo elevador sem conversar com ninguém, nem um bom dia se quer, embora tenha passado por outros moradores do edifício, e, também, por incrível que pareça, é morador neste mesmo local há dez anos. Vai à garagem, entra no carro e sai do condomínio, passando pelo porteiro com certa indiferença, embora este tenha acenado para ele. No trajeto para o trabalho liga o toca-CD e coloca uma música clássica para acalmar. Que nojo, ele pensa!! Então troca por diversos outros ritmos musicais, mas parece que nada tem o poder de controlar seus ânimos. Parece que está se preparando para explodir. Chegando ao trabalho, estaciona o veículo e deixa a chave com o porteiro, sem dar a mínima para o trabalhador, mas deixa ordens para que cuidasse bem do carro. Sobe pelo elevador, as pessoas falam com ele, perguntando como está o dia, imediatamente responde com um sorriso amarelo: - Está ótimo!!! E vocês?? Como se lhe interessasse a vida dos outros. E assim, demonstra ares de alegria e de perfeita ordem, a final de contas um executivo precisa passar essa sensação aos seus subordinados. Dentro deste conglomerado financeiro, é um entra e sai de salas, reuniões, cafés, corretivos, almoços de negócios etc. Assim, é a vida Mauro quase não descansa dessa rotina. Em seu trabalho, todos os funcionários e terceirizados presentes no setor estão ali lutando pelo bem comum, ou seja, são como um time, buscando a ascensão da empresa e, consequentemente, a preservação de seus empregos, porque precisam manter-se e também aos seus familiares. Todavia, assim, como Mauro que manifesta sua individualidade, eles também não são diferente, cada um só pensa em si mesmo, trabalham fora e quase não tem tempo para suas famílias, os filhos também estudam, quase não se reúnem para conversar, quando muito, na hora da novela ou do filme, e também aos finais de semana, se cada um não tiver um programa diferente. E é dessa forma que a vida acontece nas selvas de pedra.

No fim do ano pasado, período de férias escolares de Denerval que também coincidia com as férias de Mauro no trabalho, se bem que executivo não tira férias, cansada da rotina, pressionei meu marido para fazermos uma viagem para o interior do Estado, a fim de podermos nos relacionar melhor, rever os parentes e velhos conhecidos. Aliás, há muito tempo não tínhamos tempo para fazer um passeio. Não suportando a pressão, Mauro foi obrigado a ceder aos meus apelos, a final, sou sua amada esposa. Mas como deixar o laptop e o ipod de lado, é algo muito difícil, mas Mauro fez um esforço sobre humano e decidiu abrir não da modernidade por uns dias. Fizemos então os preparativos e, num fim de semana, partimos para o município de Colatina, a terra natal de Mauro. Chegando lá, fomos direto nos hospedar no Pleno Hotel, que é quatro estrelas. Ficaríamos hospedados ali por aproximadamente vinte e cinco dias, por isso tinham muito para curtir, visitaríamos lugares históricos nos bairros e nos patrimônios ao entorno de Colatina. Porém, tínhamos o propósito de ir também à casa dos parentes de Mauro no patrimônio de Ângelo Frenquiani. Os pais dele viveram ali, tiveram terras e fizeram história nesse lugar, por isso, era importante para voltar lá. Aliás, se soubesse a descoberta que faria, ele teria me pedido para ir lá há mais tempo. Fizemos os preparativos, entramos no carro e fomos para o lugar também conhecido como Reta Grande. Esse passeio para Mauro, livre por alguns instantes dos aspectos da modernidade, parecia ser mais um encontro consigo mesmo. Após alguns kilômetros, chegaram à Reta, e tiveram a curiosidade de sair do asfalto e entrar no lugarejo. Era de parecer um lugar deserto e silencioso, bem diferente de como seu pai descrevia no tempo em que era rapaz. Quando era pequeno, Mauro chegou a morar ali e segundo ele, era bem mais povoado e movimentado. Viam-se poucas pessoas na rua que observavam lentamente o luxuoso veículo passando conosco, algumas janelas se abriam para nos ver também, todos fitos em uma família de estranhos dentro de um carro. Fora da viela e novamente no asfalto, nos dirigimos ao nosso destino. Fomos muito bem recebidos pelos tios dele, Emanoel e Antônia. que os cercaram com uma grande hospitalidade, oferecendo lugar para descansar, café, comidas típicas da roça, se ofereceram para mostrar o lugar. Mas havia algo que Mauro e principalmente eu que sou escritora esperava: os causos que o til Emanoel conta. Era uma boa oportunidade para eu que pudesse anotar e escrever meus contos. À noite, enquanto todos estavam reunidos no terreiro conversando muito, dando muitas gargalhadas, Mauro, eu, Úrsula, e Denerval estranhávamos muito o ambiente, porque estávamos acostumados com outro modo de vida. A final, na cidade as pessoas não têm tanto tempo para se dedicarem a si mesmas e aos semelhantes. Mas o fato é que nesse papear e jogar conversar fora que tio Emanoel começou a nos encantar com suas histórias antigas muito ligas a comunidade, eram contadas em linguagem simples e por vezes cômica, mas havia em todas elas um fundo filosófico muito forte. Um dessas histórias iria mudar completamente nossas vidas. Fico às vezes pensando como um causo simples conseguiu fazer isso, mas o fato é que mudou nossas vidas mesmo.

Era tarde, todos estamos com sono e cansados de ouvir os causos, mas tio Emanoel disse:

- Vô contá um-a úrtima. Seis vão gostá dessa. Dispois nóis vão tudo drumi.

No córgo do limão tinha um homi de nomi Ilias Schults que vivia num-a fazenda dum fazendero rrrrrrico comu’ma praga. Ficava vivendo num-a casinha logu perrtu dum grotão. Num era nem pobri nem rrico. Tumava conta dum-a colônha piquena ondi era meero. Trabaiava im sua roça im qui curtivava mio, fejão, arrois, inhami i outras coisa di cume. Mais u qui mais gostava memo era di caçá. Se achava bom caçadô e cunhicia bem a rregião. A mata era grandi aquel’época i tinha muntos bichu: onça, macacu, priguiça, cachorru du matu i munntos ôtru. Um dia arresorvel saí prá caçá. Pegó a ispingarrda, preparô a munição, água, um pôco di cumida pra ficá mais tempo na lida, colocô o chapé e foice. Se benzeu cum sinal da cruiz e dissi: - Tô prutigidu, quem anda cum Deus, Deus guarrda!! Entrô na mata, quando já tava nu coração dela, foi andandu nas ponta dus pé, oiô cum cuidadu, cum toda expriência dum caçadô pra modi num assustá us bichu, antão, oiô i viu um-a capivara gordinha, ia dá prá munto tempo. Aprontô a ispingarrda, apontô in direção dela e num gorpê nu cão da arma acertô a danada que tentô fugí mais num teve comu. Era um bichu pesado, mais eli num si covardô naum, jogô o animá nas costa e prossiguiu prá casa. Antão, passandu num lugá que passava demais sucedeu argu qui nunca tinha aconticidu antis. Tinha um macacu in seu caminhu. Tava bem nu meio du caminhu cum pau na mão. Paricia qui quiria peitá o Ilia Schults. Mais eli, ixpriênti caçadô achô nem pricisá da ispingarda. – Só cum pau dô conta! Colocô a caça nu chão, passô a mão num pedaçu di pau longu e foice prá cima do bichu, rárárárá!! Quandu si acha qui si sabi tudu na vida tem ainda munto qui aprendê. Êli até consiguiu dá um-a paulada nu macacu, mais foi só fazê isso, pulô mais di vinti ô trinta macacu nas costa do danado, amardiçuado!!! Voceis num acridita?? Acunteceu memo, prrrrruuuuu nossa sinhorra, prrrrruuuu nossa sinhora!!!! Foi um pega d’ali, um pega d’aqui, um bate d’aqui, um bate d’ali, um gita, sacodi, cai, levanta, se joga nu chão, uma gemeçããããooo!! U homi já num aguentava mais quando uma macaca num artu da arvri qui paricia sê a matriarca do bandu dissi grunindu: Ôôôôôôôôô, Zé Ináciu!!! Prepar’us pau qui nóis tão deceeendu... U homi já tinha levadu um-a surrra i us macacu num dexava el’in pais, apanhava feit’um danado, quandu desceu mais uma leva di pau na mão, e eli tá qui levanta, corrri, cai, levanta i us bichu di pau in cima. E u mardiçuadu tuuudu machucadu, cunsiguiu ainda iscapá. É verdadí. Né vero, Antonha? Por essi céu qui alumia!! Prrrrruuuu nossa sinhora, prrrrrrruuuuu nossa sinhora!! O mais que foi pará é in casa, tooodu danadu. Aprendeu um-a lição. A natureza é munto sábia, us macacu num saum bichu bobo naum!! Eis se junta in bandu, saum tud’unid’um-c’ôtro. O bandu num si ispaia faciú naum!! Obedeci u chefi i us mais véio e num permiti qui ninhum seji bulidu. As macaca cuida dus macaquinhu cum munto ciumi, carinhu e cuidadu, dá atenção os fioti até si torná capais di andá sozinho. Na hora di cumé compartiam o di cumé, pega as fruita, quebra as castanha juntu. É divera!!! Eis saum rearmenti bem organizadu.

Todos os nossos parentes riram dessa história como se tivesse sido contada pela primeira vez. Mas nós, eu e, principalmente Mauro ficamos atordoados e pensativos. Como gostaria de entrar na mente de meu marido para saber o que ele pensava naquele momento. Notava que ele estava sem graça, às vezes ria, às vezes ficava sério, balança a cabeça em sinal de aprovação. No fundo, sei que estava pensando a mesma coisa que eu. O tio Emanoel tem razão, a natureza é muito sábia. Estava com a consciência pesada, com vergonha, com ódio da vida que levava. Como nós erramos na forma de organizar nossa sociedade. Deveríamos, com nossa racionalidade, organizá-la melhor, em vez disso, usamos a ciência para sermos irracionais. Trabalhamos todos para um bem comum, mas somos todos individualistas. Afastamo-nos cada vez mais do convívio com nossos familiares e com as pessoas que nos circundam. Não nos importamos com ninguém, nem mesmo conosco mesmo. Aonde vamos parar com essa atitude?? Sentia nojo de mim e da sociedade que e formou. O fato é que a lição contida naquele causo teve o poder de reorganizar meus pensamentos, assim como a radiação tem o poder de reorganizar nosso código genético.

Fomos todos dormir, e sentia meu marido tão pensativo que nem quis conversar direito. Mas não foi surpresa para mim quando decidiu conversar comigo pela manhã para desabafar. Falou para mim como o conto o fez pensar sobre as questões sociais e a vida em que viviam. Disse para ele que fui muito afetada por aquilo também e que era hora de mudarmos nossas atitudes. Ele concordou, pois se continuassem daquela forma futuramente poderia até vir a nos separar.

Já na capital, a rotina iniciou novamente. Acordar, beijar muito a esposa, tomar banho, tomar café, ler emails, beijar o filho, conversar com a família, sai contente para o trabalho, conversar com as pessoas, agradar aos funcionários, fazer reuniões prazerosas, almoços de negócios, trabalhar menos, ligar para a esposa e o filho para saber se estão bem, voltar para casa, levar a família para jantar, levar a família para passear, ir para casa dormir o sono dos justos. E viveram felizes aguardando a próxima experiência. A final, a vida é uma busca constante pela felicidade.