Doutor Tomé

Tomé depois de vários anos ausente de nossa pequenina cidade, e que em todo esse tempo continua a mesma, ou melhor, acho até que diminui porque a moçada esta toda indo embora em busca de emprego em outras cidades. Que pena, pois quase todos os meus colegas de infância já se foram e eu continuo aqui. Não consigo sair, pois toda a minha família nasceu aqui e eu não consigo acostumar com o ritmo das cidades grandes.

Dizem que Tomé agora é letrado, que virou doutor e fez fortuna trabalhando como advogado para pessoas influentes da capital. Confesso que achei um pouco estranho, pois Tomé nunca foi muito chegado aos estudos, pelo contrario vivia colando de mim nas provas da escola, ainda mais nas aulas da Dona Lucy, a nossa professora de língua portuguesa. E professorinha brava, pequena na estatura mas gigante para ensinar, ela tinha uma raiva enorme de Tomé que ia na aula só para bagunçar e comer a merenda, que não era muito boa, mais servia para enganar a fome. E fome era o que não faltava para essa criançada, todos nós de família muito pobre.

Agora que Tomé está para voltar à cidade, causou uma agitação geral, a moças com esperança de encontrar um bom casamento começaram uma disputa entre elas para ver quem poderia caçar o rapaz, sem nem saber se ele era casado ou não.

Seu Chico o único barbeiro da cidade mandou encomendar toalhas novas, e afiar a lamina do velho barbeador sonhando em receber o Doutor Tomé, jamais a sua barbearia havia recebido freguês tão ilustre e de tão grande estirpe.

O prefeito da cidade, aquele velho imprestável, jamais conseguiu nada para a cidade a não ser aumentar o seu patrimônio, pediu a primeira dama organizar uma festa com banda e tudo, que seria contratada de outra cidade porque à nossa faliu por falta de músicos e os instrumentos enferrujaram. Mandou o prefeito confeccionar uma chave grande e dourada para entregar simbolicamente para o ilustre filho da terra que volta ao lar.

A agitação era geral, quando chegará o nosso Doutor? Era o que se falava na praçinha em frente à igreja de Nossa Senhora Aparecida, a única da cidade.

Eu que sempre fui o seu melhor amigo de infância, fiquei um tanto indiferente a volta de Tomé, com certeza ele não lembraria mais de mim e das travessuras que aprontamos: nadar no rio sujo de lama, catar jabuticaba no quintal da Dona Ivone mesmo ela ficando muito brava, eta mulher mão de vaca. As frutas perdendo no pomar e mesmo assim não deixava ninguém apanhar. O futebol no campinho de terra que quando chovia ficávamos iguais a porco no chiqueiro.

Enfim lembranças que uma pessoa que agora vive na alta sociedade e que tudo do bom e do melhor jamais vai se lembrar de coisas tão simples.

À tardinha depois que cheguei do meu trabalho no armazém do Juca,

como de costume sento em frente de casa, num pedaço de morão de cerca que apodreceu, cortei o resto e fiz um banco improvisado. Escutei um barulho de gente num corre-corre danado, um querendo passar a frente do outro num empurra-empurra danado e o som da bandinha tocando. Imaginei que seria o Tomé e não tendo outra coisa para fazer, fui também para a praçinha ver a sua chegada.

A expectativa era geral, o Prefeito com seu melhor terno segurando a tal chave dourada, a primeira dama com vestido todo enfeitado que mais parecia uma arvore de natal. Enfim ao longe se via uma enorme nuvem de poeira que vinha pela estrada, com certeza só poderia ser ele, pois praticamente carro nenhum vem por essas bandas.

Quando em meio à poeira surge um carro preto enorme, daqueles que só vemos pela televisão, o espanto foi geral e o assanhamento das moças maior ainda. Então desce do carro um homem com seu terno impecável, maleta numa das mãos e ao longe se notava o relógio e a pulseira de ouro, sem duvida uma pessoa muito fina.

Em meio ao tumulto das moças e as loucuras do prefeito e da primeira dama, o homem consegue se livrar e vem em minha direção com os braços abertos: ---- meu grande amigo de infância, como está você? ----Para meu espanto era o mesmo Tomé de antigamente aquele velho amigo de sempre. Então fomos juntos rever os lugares onde brincávamos quando criança e enfim puder perceber que as coisas simples da vida nos marcam profundamente e que nem o dinheiro e luxo são capazes de apagar